SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O setor de varejo na Bolsa de Valores surpreendeu. Mesmo com uma Black Friday abaixo das expectativas e resultados do terceiro trimestre fracos, as ações de Magazine Luiza, Casas Bahia e até Americanas subiram.
Segundo analistas, ainda não. Apesar de um cenário macroeconômico melhor, com queda na Selic (a taxa básica de juros) e perspectiva de redução dos juros nos EUA, as três gigantes enfrentam problemas. O maior deles é o endividamento.
Com o boom do ecommerce na pandemia da Covid-19, as varejistas passaram a investir na expansão desse modelo de negócio. Para isso, tomaram dívidas enquanto o juro estava baixo.
Porém, esse cenário de afrouxo monetário gerou uma inflação de dois dígitos, e a Selic rapidamente foi da mínima histórica de 2% para 13,75%. Hoje, está a 12,25%.
Além de enfrentar dívidas mais caras, as varejistas tomaram prejuízo nos seus braços financeiros, com uma maior inadimplência no "cartão da loja".
"O cenário virou muito rápido, as varejistas foram pegas no contrapé. Não se esperava que a inflação fosse chegar aonde chegou. Elas investiram pesado para uma demanda que acabou não se concretizando", diz José Daronco, analista da Suno Research.
Mesmo agora, com a inflação controlada, o consumo não avançou. Além disso, a concorrência cresceu.
Com maior solidez financeira, Amazon e Mercado Livre expandem a presença no Brasil, assim como as asiáticas Shopee, Shein e Ali Express, com a vantagem de serem apenas ecommerce, sem os custos do varejo físico.
O Grupo Casas Bahia (ex-Via) terminou setembro com uma dívida líquida --soma de todas as obrigações, descontando o valor em caixa-- de R$ 7 bilhões, sete vezes o seu atual valor de mercado, segundo dados da Suno Research.
Nos primeiros nove meses de 2023, a companhia acumulou um prejuízo líquido de R$ 1,62 bilhão.
Em novembro, a ação saltou 20% com a queda nas curvas de juros brasileira e americana e após cair 79% nos três meses anteriores. No mês passado, o Ibovespa, principal índice acionário do país, subiu 12,54%.
Apesar de uma reestruturação estar em curso na Casas Bahia, o processo não é rápido nem barato. Em meio a cortes de funcionários, a varejista acumula perdas em processos trabalhistas.
"Embora acolhamos favoravelmente o plano de transformação da empresa, existem riscos macro e de execução para que ele seja entregue", diz a XP, em relatório. A corretora é neutra em relação ao papel.
Já o Goldman Sachs recomenda a venda da ação.
"Embora as iniciativas de curto prazo da administração em torno de estoque, número de funcionários, despesas de marketing e redução de pegada devam permitir que a empresa entre em 2024 com uma configuração mais enxuta e lucrativa, continuamos a acreditar que a capacidade financeira de a empresa investir estrategicamente e defender participação num mercado altamente competitivo continua limitada."
Em recuperação judicial, a Americanas também se beneficiou com a retomada da Bolsa e com as notícias sobre a injeção de R$ 24 bilhões na companhia. As ações subiram 8,24%, de R$ 0,85 para R$ 0,92 no mês passado.
Apesar do acordo entre bancos e acionistas controladores para tentar salvar a varejista, analistas não veem um retorno ao lucro tão cedo.
"Americanas não é mais investimento, é especulação. Mesmo recuperada, a operação vai ser muito menor do que era no passado", diz Daronco, da Suno.
O analista também afirma que, apesar de positiva para a companhia, a conversão de parte de sua dívida com os bancos em ações, como prevê o plano de recuperação judicial, é negativa para os demais acionistas, pois irá diluir a base acionária da companhia.
Hoje, ela vale apenas R$ 839 milhões e tem uma dívida de R$ 42,5 bilhões. Ao fim da recuperação judicial, a Americanas estima que sua dívida bruta será de R$ 1,875 bilhão.
"Um passo importante foi dado, porém tem mais por vir. [...] Existem riscos relacionados a melhorias operacionais, enquanto continuamos a ver o macro desafiador e um cenário de competição mais acirrada daqui para frente. Assim, mantemos nossa cobertura sob revisão", escreveram os analistas da XP sobre a Americanas.
Já a Magazine Luiza está com uma situação financeira melhor, o que lhe ajudou a galgar 52% de alta na Bolsa em novembro e continuar a trajetória positiva em dezembro, com alta de 5,45% até a sexta-feira (8).
Ela tem R$ 4,1 bilhões de dívida líquida e R$ 14,5 bilhões de valor de mercado. O seu prejuízo em 2023 é menor, de R$ 361 milhões entre janeiro e setembro, com um aumento de vendas no marketplace.
Por outro lado, as vendas em lojas físicas e de estoque próprio no ecommerce, que são mais rentáveis, continuam fracas.
Outro ponto negativo para a varejista frente a investidores foi a descoberta de inconsistências contábeis, que custaram R$ 829,5 milhões ao patrimônio líquido da empresa.
"Notamos que essas imprecisões não são tão materiais quanto outras que observamos no setor no passado recente e não têm impacto caixa", disse o Goldman Sachs, que se mantém neutro em relação ao papel.
Apesar de não chegar perto dos R$ 20 bilhões da Americanas, a falha contábil da Magalu causa desconfiança em um momento que o setor é colocado à prova, dizem analistas.
"A concorrência veio para ficar. O futuro é menos lojas físicas e as que sobrarem também vão funcionar como centros de distribuição", diz Daronco.
O analista recomenda que o investidor fique de fora dessas três empresas.
"Nos próximos anos, nenhuma delas irá pagar dividendos. Enquanto isso, outros setores na Bolsa estão atrativos, como o financeiro, o elétrico e o de commodities. O investidor deve focar em empresas que dão lucro, com boa geração de caixa."
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