SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A morte de Edemar Cid Ferreira, aos 80 anos, não põe fim a uma série de disputas judiciais e pendências financeiras do Banco Santos. A instituição financeira ainda deve bilhões de reais.
Entre os credores que esperam por receber o que lhes é de direito estão bancos, fundos, empresas de comunicação, companhias de infraestrutura, instituições financeiras, indústrias, pessoas físicas, entre outros. No oitavo rateio, de março de 2023, constam 894 credores na lista.
O processo de falência que se arrasta desde 2005 transformou a dívida de R$ 3,2 bilhões nos atuais R$ 16,7 bilhões. Mas comumente em processos de recuperação judicial e falência o valor total tem deságio de cerca de 80%.
A dívida do Banco Santos cresce atualizada pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e juros de mora de 1% ao mês. Por isso, passados 19 anos de falência, o valor da dívida mais que quintuplicou.
Os dados constam em um processo da 2ª Vara de Falências e Recuperações do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e foram anexados no site da massa falida do banco. As informações de correção dos valores são referentes a até 31 de agosto de 2022.
Até agora, a massa falida tem R$ 2,3 bilhões levantados, mas a grande maioria, cerca de R$ 2 bilhões, é de acordos feitos com devedores do banco. Segundo fonte próxima ao caso, já foram feitos cerca de 300 acordos nesse sentido.
Os outros R$ 300 milhões foram levantados com bens leiloados do fundador do banco e de ex-administradores, segundo essa fonte.
Um processo pede a intimação de Cid Ferreira e outros ex-administradores do banco para que eles efetuem o pagamento na quantia de R$ 15,6 bilhões, sob pena de multa de 10%, além de honorários de 10%.
O caso foi julgado na primeira e segunda instâncias do TJ-SP, e a decisão foi favorável ao pagamento do valor. Em julho de 2023, o processo foi encaminho ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e aguarda julgamento.
Por parte de Edemar, praticamente todos os seus bens já foram expropriados ou alienados para serem vendidos. Um deles é a mansão que pertenceu ao ex-banqueiro localizada no Morumbi, zona oeste de São Paulo.
Construída entre 2000 e 2004, e adquirida por R$ 140 milhões, a casa foi projetada pelo arquiteto Ruy Ohtake, que recebeu R$ 1,15 milhão pelo serviço. O decorador americano Peter Marino recebeu outros R$ 8,86 milhões. A mansão era repleta de obras de arte -Cid Ferreira também foi presidente da Bienal.
O imóvel chegou a passar por cinco leilões. Em 2020, foi vendido em leilão judicial por R$ 27,5 milhões.
Já em 2020, cerca de 2.000 peças que pertenciam ao empresário e foram apreendidas pela Justiça no ano da falência do Banco Santos foram leiloadas para angariar fundos destinados a pagar credores da instituição financeira.
Na época, o ex-banqueiro pediu à Justiça o cancelamento do certame da coleção de obras de arte que estavam sob a guarda do MAC (Museu de Arte Contemporânea) da USP (Universidade de São Paulo).
Em ofício enviado à 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da cidade de São Paulo, ele argumentou que o leilão iria esquartejar a coleção, desvalorizando o conjunto e fazendo com que as obras perdessem valor de mercado.
O ex-banqueiro também possuía um apartamento de 3.000 metros quadrados na Praia Grande (SP), que foi vendido por R$ 78 milhões após quatro leilões. E tinha ainda outras três empresas, que o administrador da massa falida pediu a extensão da falência para cobrir o rombo do Banco Santos.
Após os leilões de suas casas, o ex-banqueiro passou a morar "de favor" e a viver com ajuda de amigos. Da mansão no Morumbi, transferiu-se para a casa vizinha, que pertencia a Zizinho Papa, ex-banqueiro dono do Banco Lavras.
A defesa de Edemar Cid Ferreira diz que, antes da morte do ex-banqueiro, já não havia mais pendências dele com a massa falida. As questões ainda não resolvidas dizem respeito, segundo os advogados do fundador do Banco Santos, à própria massa falida, que ainda possui créditos a receber de devedores e valores a pagar aos credores.
A massa falida do banco é administrada por Vânio Aguiar, interventor nomeado pela Justiça em 2006.
À Folha de S.Paulo ele disse que preferia não comentar os passivos do Banco Santos por respeito aos familiares de Cid Ferreira.
O ex-banqueiro tinha uma disputa aberta na Justiça contra Aguiar, por achar que ele administrava mal a massa falida e que perpetuava o processo de falência.
Segundo a defesa do fundador do Banco Santos, o administrador judicial fecha acordos injustos com devedores da massa falida, com descontos que chegam a até 95%.
Acusam ainda Aguiar de enriquecimento indevido e de excluir Cid Ferreira do processo de decisões importantes, principalmente no que dizia respeito ao desconto das dívidas.
Duas fontes próximas ao processo de falência do Banco Santos disseram acreditar que o processo seguirá normalmente mesmo após a morte de Edemar.
Uma delas diz acreditar que os processos que estão na Justiça de São Paulo do ex-banqueiro contra Aguiar devem ser tocados pela família do fundador do Banco Santos, já que o ex-banqueiro teria direito de receber o valor excedente da diferença entre as dívidas pagas e os créditos recebidos no encerramento da falência, e a família deve herdar isso.
Cid Ferreira era acusado de lavagem de dinheiro, desvio de recursos, evasão de divisas, ocultação de obras de arte, contabilidade paralela, entre outras denúncias.
Segundo sentença do juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, uma das formas encontradas para desviar dinheiro do banco era por meio das Cédulas de Produto Rural.
"Agentes do banco procuravam produtores rurais para fazer parte do esquema: o produtor rural assinava uma CPR com determinado valor, em favor de uma empresa ligada a Edemar, mas recebia da empresa apenas de 0,5% a 1% do valor nominal do título", consta no processo.
O título era então vendido pela empresa ao Banco Santos pelo seu valor nominal. O produtor rural tinha a garantia da dívida quitada no momento da venda da CPR por uma carta assinada pela Procid Par, controlada por Cid Ferreira. Ou seja, a cédula não era um ativo do Banco Santos, mas por meio dessa operação os recursos haviam saído do caixa da instituição financeira para uma empresa de Cid Ferreira.
Outra prática utilizada para desviar recursos, segundo o juiz do caso, era por meio de operações com debêntures.
Nessa situação, clientes buscavam o banco para pegar um empréstimo, e o banco cedia um valor maior do que o solicitado com a condição de o excedente ser investido na compra de debêntures de uma empresa ligada a Cid Ferreira.
O banco, então, prometia que o valor que deveria ser devolvido pelo cliente era apenas o solicitado. Assim, a instituição financeira parecia possuir um ativo maior a ser cobrado, quando na verdade só poderia cobrar o valor menor do cliente, já que o excedente estava investido.
O Banco Santos também concedeu crédito a empresas ligadas a Cid Ferreira que não tinham capacidade de pagamento, e, além de realizar tais operações contrárias à prática bancária, deu informações falsas ao Banco Central sobre os verdadeiros tomadores dos recursos.
Em inspeção realizada pelo Banco Central, em abril de 2004, um ano antes da falência do Banco Santos, a instituição havia concedido crédito para a Creditar, Delta, Omega, Quality e Santos Par, porém havia informado no ao BC que os tomadores dos recursos eram Odebrecht, Cosipa, Braskem e GPA.
Cid Ferreira passou o restante de sua vida tentando provar que o banco tinha mais crédito a recuperar do que dívidas a serem pagas, o que jamais se comprovou. Segundo ele, "a intervenção e a falência foram indevidas".
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