SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mesmo sem nenhum efeito prático, os advogados da J&F e da Paper Excellence foram ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) nesta quarta-feira (24). Compareceram apenas para cumprir uma formalidade, já que era de conhecimento geral que o julgamento agendado não aconteceria.
A preocupação de uma parte com a outra é tão grande que quando os representantes da J&F foram à tribuna, os da Paper tomaram o mesmo rumo. Se um lado se pronunciasse, o outro faria o mesmo. Mesmo um "não-evento" se torna relevante na disputa das duas empresas pelo controle acionário da Eldorado Celulose. A briga acionária se arrasta desde 2018.
O julgamento não ocorreu graças à decisão do ministro Mauro Campbell Marques, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), tomada a terça-feira (23). Ele julgou procedente o pedido de tutela da J&F, que alegou o risco iminente de um prejuízo.
Em suas alegações, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, diz que o julgamento não poderia acontecer enquanto o STJ não decidisse a nulidade ou não do julgamento em primeira instância que deu ganho de causa à Paper.
Na contestação, assinada por 45 advogados, a empresa de origem canadense e malaia, de propriedade do indonésio Jackson Wijaya, chama o pedido da J&F de "inusitado", "desnecessário" e "inadequado". Reclama também que a adversária insiste em "teses derrotadas".
O ministro Campbell deixou claro, ao despachar a decisão, não entrar no mérito da questão, mas concordou com a tese de perigo iminente e suspendeu o julgamento de todos os processos referentes à disputa pela Eldorado Celulose até que o STJ analise o caso. Isso será feito agora pela ministra Nancy Andrighi.
Campbell ter sido o responsável pelo despacho foi motivo de discussão nos bastidores entre os advogados, como se nada nesta briga fosse o que parece ser.
A presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, está em férias. O cargo ficou com o ministro Og Fernandes, que se declarou impedido de analisar o caso. Por ordem de antiguidade, o escolhido foi Campbell, que também estava em férias.
Ele voltou para deliberar o pedido da J&F, segundo pessoas da Paper, mas a assessoria do STJ nega que isso tenha acontecido. As férias do ministro "já haviam sido suspensas em razão de compromissos na Escola de Formação de Magistrados, da qual ele é diretor", afirma o Tribunal.
O acordo para a Paper comprar da J&F a Eldorado Celulose por R$ 15 bilhões foi fechado em setembro de 2017. Após resolver pendências da empresa com fundos de pensão, estatais e fazer parte do pagamento pela compra, a companhia estrangeira ficou com 49,41% das ações. Tinha um ano para liberar as garantias dadas pelos Batista em dívidas da Eldorado e ficar com os 50,59% restantes.
Aí começou a briga. A J&F alega que a rival não cumpriu o combinado e perdeu o prazo para liberar as garantias. Para a Paper, a holding não colaborou com as negociações (quebrando regra do contrato) e deliberadamente trabalhou para atrapalhar a concretização do negócio. O caso foi à Justiça, com acusações de extorsão, roubo de emails, espionagem e hackeamento de servidores.
Em primeira instância, no TJ-SP, a Paper ganhou e esta é a razão por trás do imbróglio atual. A J&F alega que a juíza Renata Rota Maciel, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, não poderia ter dado sentença porque havia uma discussão a respeito de conflito de competência. O desembargador José Carlos Costa Netto, que ficou um longo tempo com o caso em mãos, tinha determinado a suspensão do processo.
Para a holding, a decisão de Maciel foi nula. A Paper alega que o próprio TJ-SP já deliberou que a sentença foi válida, que não há qualquer indício de violação do CPC (Código de Processo Civil) e que a adversária apresentou "diversas petições às determinações da Exma juíza Renata Mota Maciel [...] sem suscitar, em nenhum momento, que o efeito estaria suspenso."
O julgamento que aconteceria nesta quarta-feira poderia determinar a vitória da Paper em outro pedido de anulação da rival. A arbitragem prevista em contrato para sanar qualquer divergência determinou, por três votos a zero, a transferência do restante das ações para a companhia do empresário indonésio. A J&F reclama de processo viciado em que um dos árbitros tinha o dever de comunicar ligação com um dos advogados da Paper e não o fez. Também cita o hackeamento que teria atrapalhado suas alegações.
Se o desembargador João Batista de Mello Paula Lima se manifestasse a favor da Paper referente à arbitragem, esta venceria. Caso desse razão à J&F, outros dois desembargadores seriam chamados a darem parecer.
A decisão de Campbell pode alterar de maneira significativa o pedido de anulação da arbitragem. O relator Franco de Godoi se aposenta no próximo dia 31. Ele não apenas deu parecer favorável à Paper como condenou a J&F por litigância de má-fé.
Um novo relator será designado e, se o voto de Godoi não pode ser alterado, abre espaço para a holding dos Batista apresentar diferentes embargos de declaração e postergar a conclusão do caso por tempo indeterminado ou até mesmo mudar os rumos do processo.
A J&F considera que, mesmo se acontecesse uma decisão desfavorável, não teria de se preocupar porque as ações (em custódia com o Itaú, assim como o dinheiro para o pagamento) não seriam transferidas de qualquer forma. Elas estão bloqueadas por causa de outra decisão, que questiona a propriedade de terras da Eldorado, que passariam a ter como donas uma empresa estrangeira.
Este é, aliás, outro campo de batalha na disputa pela companhia de celulose que teve lucro de R$ 3,53 bilhões em 2022. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) comunicou à Junta Comercial de São Paulo e à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), no final do ano passado, que a formalização do negócio deve ser evitada.
Segundo o Instituto, a compra feita pela Paper deve ser cancelada porque não houve anuência do próprio Incra ou do Congresso Nacional, como determina a legislação.
Se a tese da J&F sair vencedora no STJ, o caso, iniciado em 2018, voltaria para a primeira instância no Tribunal de Justiça em São Paulo.
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