SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O implante cerebral da Neuralink, uma das empresas de Elon Musk, não traz avanço ou inovação, segundo o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. "É só fumaça."
O chip chamado de Telepathy usa a técnica de interface cérebro-máquina inventada por Nicolelis com o objetivo de permitir o controle de computadores, celulares e dispositivos digitais a partir do pensamento. A princípio, a solução visa ajudar pessoas com deficiência de mobilidade.
"A vasta maioria dos casos de paralisia pode ser tratada com interfaces não invasivas como nós demonstramos nos últimos dez anos; eles [a Neuralink] estão vivendo de hype e bad sci-fi [ficção científica ruim]", diz o neurocientista à Folha de S.Paulo.
Procurada pela reportagem, a Neuralink não respondeu.
O grupo de pesquisas liderado por Nicolelis na Universidade de Duke fez os primeiros registros no uso da tecnologia por humanos que conseguiram controlar braços robóticos remotamente. O experimento envolveu 15 pessoas sem necessidade de cirurgia.
A interface cérebro-máquina começou a ser abordada por Nicolelis em estudos ainda em 1999, após anos de coletas de sinais de atividade neural de ratos e macacos. O primeiro experimento de sucesso em primatas é de 2002.
O grupo de Nicolelis, diferentemente da abordagem da Neuralink, colocou suas fichas em exoesqueletos, usados para auxiliar a mobilidade de pessoas com paraplegia ou tetraplegia. Em 2014, um voluntário chutou uma bola durante a abertura da Copa do Mundo do Brasil, na Arena Corinthians, com um dos equipamentos desenvolvidos por Nicolelis.
Hoje, no Brasil, já há unidades médicas que usam exoesqueletos no tratamento de pessoas com paralisia. Uma delas é a Rede de Reabilitação Lucy Montoro, na Vila Mariana, que tem equipamentos da empresa francesa Wandercraft e da russa ExoAtlet.
No caso desses aparelhos, o sensor de movimento fica no pescoço.
Também em 2004, pesquisadores liderados pelo engenheiro Kevin Warwick fizeram também um implante neural a partir de uma placa de eletrodos. O método ficou conhecido como Matriz de Utah e por ser mais invasivo.
Warwick fez vários testes com implante de máquina em si. Em 2004, ele publicou o livro "I, Cyborg" (Eu, ciborgue, em tradução livre), no qual relata os resultados dos arriscados experimentos.
A técnica foi aprimorada e depois usada por outro centro de pesquisas em neurociência, da Universidade de Pittsburgh.
O primeiro humano a receber um implante em Pittsburgh foi Nathan Copeland, que passou por cirurgia em 2014. Paralisado do peito para baixo após um acidente automotivo, Copeland passou a ser capaz de mover um braço mecânico, controlar um computador e jogar videogame com pensamentos.
Em 2022, o americano bateu o recorde de pessoa com mais tempo exposta ao procedimento chamado de Matriz de Utah, após sete anos e três meses implantado.
O implante na cabeça de Copeland é mais ou menos do tamanho de uma borracha. Os chips mais recentes são menores.
A Neuralink, por exemplo, usa um robô para colocar cirurgicamente um implante de interface cérebro-máquina em uma região do cérebro que controla a intenção de se mover.
Os chips são tão pequenos e sensíveis que não podem ser implantados por mãos humanas, de acordo com o site da Neuralink.
Ainda segunda a empresa, o dispositivo contém mais de mil eletrodos, bem acima do registrado em outros implantes. Visa também neurônios individuais, na contramão da concorrência que têm como alvo os sinais de grupos de neurônios. Se funcionar, isso deve permitir um maior grau de precisão.
Na avaliação de Nicolelis, não há mercado para esses implantes. "A vasta maioria dos pacientes não quer sofrer uma neurocirurgia e correr riscos."
"Tirando o marketing enganador do Musk, ele não está produzindo nada novo ou inovador na área", acrescentou.
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