SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, afirmou nesta terça-feira (6) que conta com o Brasil para ajudar a Argentina a superar a grave crise econômica que o país enfrenta.
Ignorando as críticas que Javier Milei fez no passado ao Brasil e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Caputo afirmou, ao participar, por videoconferência de um evento do BTG Pactual, que a única divergência entre os dois países é no futebol.
"Olhamos para o Brasil como um enorme parceiro da Argentina, já é o nosso principal parceiro, mas poderíamos estar fazendo muitas outras coisas juntos. Não foi dada uma importância grande [a essa parceria] por conta das crises, mas somos vizinhos. A gente só não gosta de vocês no futebol. Queremos fazer negócios, e vocês vão nos ajudar a sair dessa situação."
A declaração destoa do que Milei dizia antes de chegar ao poder. Em agosto, o presidente argentino chegou a dizer que, caso fosse eleito, não manteria relações com o Brasil ou países liderados por "comunistas" e nem se reuniria com Lula após assumir a Casa Rosada. Por diversas vezes, ele também ameaçou um afastamento com outro parceiro estratégico da Argentina, a China.
Ao vencer o ex-ministro Sergio Massa na eleição de 2023 e assumir o governo, em dezembro, o discurso de Milei mudou e ele chegou a convidar para a sua posse o mandatário brasileiro, que acabou apenas enviando o seu chanceler, Mauro Vieira, quebrando uma tradição de quatro décadas.
Caputo, que também fez parte do governo de Mauricio Macri, reforçou durante o evento do BTG que, depois de anos de frustrações na economia, o país agora tem um plano.
"A Argentina já foi, no início do século 20, a economia mais rica do mundo, com o maior PIB per capita. Nessa época, tínhamos ideais de liberdade, livre comércio, respeito ao direito individual e de propriedade. São pensamentos que ainda são normais em muitos países, mas que fomos perdendo ao longo do tempo."
Segundo ele, após anos de políticas econômicas equivocadas, o país passou por 22 crises econômicas, dois momentos de hiperinflação e corte de 13 zeros da moeda local. "Nos convertemos em um país socialista, é difícil para qualquer empresa ter um horizonte claro para investir com visão de longo prazo."
O ministro também disse que o mundo está olhando com atenção para o governo de Milei e que um dos segredos do sucesso do novo presidente é ter sempre dito a verdade para a população.
"Quando assumimos o poder com Macri, era proibido usar a palavra 'ajuste', vínhamos de 12 anos de populismo e sem maioria no Congresso, a sensação era de que as pessoas não estavam preparadas para ouvir a verdade", disse Caputo.
A Argentina vive uma grave crise econômica, com a inflação em 211% ao ano e a taxa de pobreza de 45%. A população, que já convivia com uma inflação em alta no governo anterior, de Alberto Fernández, viu os preços saltarem após as primeiras medidas de Milei, que incluíram uma desvalorização do peso e o fim de subsídio para tarifas públicas.
Já nos primeiros dias de governo, o consumo das famílias despencou, e os argentinos têm sido obrigados a cortar comida e encurtar viagens com a explosão dos preços.
A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revisou para cima a previsão de inflação para o país, para 250,6% este ano, em comparação com os 157,1% projetados em novembro, seguindo as primeiras medidas adotadas por Milei.
Nesse cenário, Milei apresentou à Câmara a chamada "lei ônibus" que propõe uma reforma ultraliberal no país. O pacote foi aprovado na sexta (2) e será discutido artigo por artigo antes de ir ao Senado.
Dos 664 artigos originais, sobraram cerca de 380. A lei foi sendo enfraquecida aos poucos ao longo das últimas três semanas. Ficaram de fora, por exemplo, a nova fórmula de reajuste da aposentadoria, a ampliação do Imposto de Renda e o aumento da taxação de exportações.
No evento, Caputo disse ter confiança nas propostas ultraliberais do atual governo. "Sabemos que o que a gente pretende fazer vai funcionar, quando se faz a lição de casa, o resultado vem, mas é claro que precisamos do apoio do Congresso."
Segundo o ministro, o plano do governo é baseado em disciplina fiscal e monetária. "Com minoria no Congresso, isso é um desafio enorme. Vamos respeitar as leis, os contratos e o direito privado. Vamos estabelecer uma base para estabilizar o ambiente macroeconômico."
Para ele, a "lei ônibus" será a base para a Argentina ter um período de crescimento ao longo da próxima década. "É um desafio imenso, mas estamos motivados. A população está do nosso lado, os argentinos finalmente entenderam qual é o problema, sabem que os tempos são difíceis, mas estão dispostos a apertarem os cintos."
A recepção do pacote de medidas pela população, no entanto, não tem sido pacífica. O país enfrentou uma greve geral em janeiro, e manifestantes têm se reunido em frente ao Congresso para protestar contra a "lei ônibus", com confrontos com as forças de segurança.
Na segunda-feira (5), os canais de TV do país mostraram centenas de argentinos formando uma fila que se estendeu ao longo de aproximadamente 30 quarteirões, em Buenos Aires, como forma de protesto após a ministra do Capital Humano da Argentina, Sandra Pettovello, dizer que receberia "um por um os que têm fome".
Segundo Caputo, os argentinos entenderam que o real problema do país é o déficit fiscal e votaram em Milei para que ele resolva esse problema. "Tivemos de agir rapidamente, já que herdamos a pior crise da história do país. Estávamos a ponto de ter uma terceira hiperinflação e sem reservas no Banco Central."
O ministro afirmou, ainda, que percebe um grande interesse na Argentina por parte de investidores que representam diferentes setores, como mineração e tecnologia. "Elon Musk está vindo para cá, outras startups estão chegando, a [gestora de ativos] BlackRock também, querem investir em infraestrutura."
De acordo com ele, os argentinos poderão vivenciar que as propostas do governo para a economia não se tratam apenas de desejo, "mas de algo concreto que está se materializando em mais empregos e melhores salários. O ano de 2024 vai ser de estabilização para termos depois, em 2025, um crescimento real".
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