SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A área conhecida como FLV (frutas, legumes e verduras) não costumava ser uma atração nos supermercados. Ficava nos fundos da loja, era um ambiente pouco agradável, com restos de folhas pelo chão, além de produtos meio "passados", que eventualmente atraíam moscas.
Na rede Pão de Açúcar, porém, o FLV ganhou status de área nobre, com uma forte diversidade de produtos, com reposição frequente, para garantir o frescor, um espaço bem iluminado.
"A seção de frutas, legumes e verduras é uma área crítica para conquistar a fidelidade do cliente", diz o consultor Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer Desenvolvimento Empresarial.
Essa foi uma das inovações feitas pela rede comandada pelo empresário Abilio Diniz que se tornou regra para todo o varejo alimentar no país.
Abilio, morto aos 87 no domingo (18) e sepultado nesta segunda (19), era filho do fundador do Pão de Açúcar, Valentim dos Santos Diniz, ao lado de quem trabalhou nas primeiras décadas da rede, fundada em 1959.
Mas foi só quando se tornou acionista majoritário nos anos 1990, depois de comprar a participação dos irmãos Alcides e Arnaldo, com quem havia se desentendido, que Abilio impôs a própria cara ao negócio e acelerou definitivamente sua expansão.
"O legado dele para o varejo brasileiro é imenso", diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail.
"Ser pioneiro acabou se incorporando ao DNA do Pão de Açúcar", diz ele, destacando que o Pão de Açúcar foi a primeira empresa de varejo alimentar a criar uma marca própria, a marca Pão de Açúcar (hoje a marca própria da rede é a Taeq).
"Também foi pioneiro em programa de fidelidade no varejo, com o lançamento do Mais, e pioneiro no ecommerce alimentar, com o Amelia", diz Serrentino.
No início de 2000, o Pão de Açúcar lançou o Amelia como um site de serviços, com dicas sobre culinária, moda e beleza, além de indicações de profissionais para tarefas domésticas, como eletricistas.
O site incorporou as páginas já existentes do Pão de Açúcar Delivery e do Eletro, nas quais era possível a compra virtual.
A rede procurou explorar os mais diferentes formatos do varejo ?supermercados, hipermercados, lojas de vizinhança, lojas de descontos ("hard discounts"), atacarejos.
Uma das primeiras grandes inovações veio em 1969, quando a companhia inaugurou o primeiro supermercado 24 horas do país. Na época, já somava cerca de 60 lojas em diferentes cidades do país.
"Sob a gestão do Abilio, o Pão de Açúcar não só investiu nos diferentes formatos, mas foi o primeiro grupo varejista brasileiro com o objetivo de se tornar um grupo nacional", diz Serrentino, lembrando ainda que o grupo teve operações em Portugal e Angola.
Foganholo lembra ainda a expansão da "área fria" das lojas, permitindo a diversidade de produtos congelados, o que incentivou mais fornecedores a desenvolverem essa linha de alimentos, além de ampliar a oferta de perecíveis.
"Nem tudo o que ele lançou deu certo logo de cara. Mas ele perseguia a inovação e procurava aperfeiçoar, sempre", diz o consultor. "Falar do Abilio Diniz é falar da história do varejo brasileiro, não só o alimentar."
Isso porque o empresário investiu na formação do primeiro escalão do comando do grupo, trazendo a academia para dentro da empresa, a partir da contratação de professores da FGV (Fundação Getulio Vargas), por exemplo.
"Ele também adotou ferramentas de pesquisa, procurava ouvir o consumidor", afirma Foganholo.
O grupo foi pioneiro na implantação da figura do ombudsman do consumidor no varejo brasileiro, em 1993, com Vera Giangrande (morta em 2000).
O conceito evoluiu até a criação da Casa do Cliente, em 2002, que procurava atender todas as bandeiras da companhia (dona então de Pão de Açúcar, Extra, Compre Bem e Sendas).
Com entrevistas pessoais, em pontos de venda e discussões em grupo, a Casa do Cliente recebia reclamações, sugestões e solicitações de produtos e serviços, por carta, telefone, email e pessoalmente.
"A grande contribuição do Abilio foi aperfeiçoar o conceito de serviço de alta qualidade e oferta de produtos diferenciados em grande escala, o que fez com que o Pão de Açúcar se tornasse uma marca aspiracional", diz André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners.
Pimentel foi sócio da Galeazzi & Associados, consultoria do reestruturador de empresas Claudio Galeazzi.
Morto em 2 de março de 2023, vítima de câncer, Galeazzi havia sido chamado por Abilio em 2007 para "consertar" o Sendas, adquirido poucos anos antes. Os bons resultados levaram Abilio a contratar Galeazzi para comandar o Pão de Açúcar até 2012, promovendo uma reestruturação no grupo.
"Como a grande maioria dos empreendedores, os olhos de Abilio Diniz miravam prioritariamente o crescimento, não a gestão. Nada o motivava tanto como a inauguração de uma loja ou a aquisição de uma rede de supermercados, sem importar o tamanho ou a saúde financeira", conta Galeazzi, no livro "Sem cortes" (2019, Portfolio-Penguin), organizado por Joaquim Castanheira.
Aproveitando a ordem nas finanças promovida por Galeazzi, Abilio foi atrás da compra do atacarejo Assaí. "Ele estava mordido por ter perdido o Atacadão para o Carrefour", diz Pimentel.
"Abilio também apoiou a aquisição do Ponto Frio e fez a aquisição da Casas Bahia", afirma, lembrando, porém, que este último negócio não foi bem estruturado e trouxe "sérias dores de cabeça."
"Se não fosse o estresse gerado na tentativa de não perder o comando do GPA, e os impactos dessa tentativa, o grupo GPA talvez tivesse conseguido evitar as crises que se sucederam após 2012, mesmo levando em conta o fator Casino", afirma Pimentel, referindo-se à disputa de poder entre Abilio e os sócios franceses, que levaram o empresário a uma tacada arriscada: propor em 2011 uma fusão com o arquirrival do Casino, o também francês Carrefour, para continuar no comando executivo do grupo.
O plano criaria um gigante avaliado em US$ 41,9 bilhões. Mas o Casino vetou o acordo e o seu CEO, Jean-Charles Naouri, acabou assumindo a presidência do Pão de Açúcar.
Em 6 de setembro de 2013, véspera do aniversário de 65 anos da fundação do grupo, Abilio renunciou à presidência do conselho de administração e encerrou a participação da família na empresa fundada pelo pai.
"Abilio é um guerreiro. Determinado, persegue seus objetivos a qualquer custo. Ao entrar em um conflito (e não são poucos), usa todas as armas ao seu alcance. É como uma briga de rua, em que ele sempre encara como uma disputa de igual para igual, independentemente do tamanho do adversário. Não espere clemência, já que ele também não dará. A vitória é o que interessa, seja diante de um familiar, seja contra um empresário poderoso, como Jean-Charles Naouri, com quem travou uma antológica batalha corporativa e judicial. Esse dinamismo o leva a se reinventar constantemente", escreveu Galeazzi.
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