BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A PEC (proposta de emenda à Constituição) que transforma o Banco Central em uma empresa pública com autonomia fiscal e orçamentária gera no governo o temor de um efeito cascata em outros órgãos.

A articulação em torno da proposta voltou a estressar a relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

Lula e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) veem uma atuação de Campos Neto nos bastidores para a construção da PEC, de autoria do senador Vanderlan (PSD-GO).

Antes de o texto ser entregue no Congresso, diretores do BC debateram a proposta e a apoiaram. Entre eles, há inclusive uma discussão sobre como a PEC pode ser aprimorada.

Pela PEC, o BC passa a ser uma instituição de natureza especial com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de empresa pública e com poder de polícia.

A proposta remove qualquer "tutela ou subordinação hierárquica" do BC ao governo. O modelo segue a autonomia orçamentária da maioria dos bancos centrais autônomos no mundo.

Um dos problemas após a apresentação da PEC foi a negociação de reestruturação de carreira no BC.

A situação gerou um impasse sobre como lidar com as tratativas ao mesmo tempo que há uma proposta que pode mudar completamente a estrutura do BC e suas relações trabalhistas, o que inclui contratação e reajuste dos salários.

Caso a PEC seja aprovada, o BC terá liberdade para fazer seu plano de carreira e definir salários.

No Ministério da Fazenda, há uma preocupação de o BC virar um BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para decidir sobre reajuste. O banco é famoso por conceder aos seus funcionários salários adicionais ao décimo terceiro na forma de participação nos lucros.

Entre membros do Executivo, também há o temor de que a mudança no BC abra uma fila no Congresso para outros órgãos seguirem o mesmo exemplo ?o que pode criar diferentes orçamentos paralelos e reduzir o controle do governo sobre a gestão pública.

A proposta também foi mal recebida politicamente pelas lideranças do PT. Haddad já tinha sido informado da proposta de autonomia, mas não gostou de a PEC ter sido protocolada em um ambiente em que o Executivo tem perdido espaço orçamentário para o Congresso.

O descontentamento ocorreu após o churrasco de confraternização de fim de ano, na Granja do Torto, com a participação de Campos Neto.

O encontro sinalizou, na época, o início de uma fase de maior calmaria após a relação turbulenta de Lula com Campos Neto, que marcou o primeiro ano de governo. Agora, no entanto, Haddad não tem falado com o presidente do BC.

O governo também tem a preocupação de que a proposta acabe abrindo brecha, no futuro, para que os senadores tenham interferência maior até mesmo nas decisões dos nomes para as diretorias do BC, tirando poder do Executivo ?visão considerada infundada pelos defensores do texto. Nos países onde o BC tem autonomia orçamentária, isso não acontece.

Hoje, o Senado já tem a responsabilidade de sabatinar e aprovar os indicados pelo Executivo para a diretoria e presidência do BC.

Apesar dos receios do governo, defensores da PEC argumentam que ela já produz dinheiro suficiente para financiar o orçamento do Banco Central. A proposta prevê o uso de receitas da chamada senhoriagem para o financiamento de suas despesas. Senhoriagem é o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros.

O autor da PEC diz que o uso da receita de senhoriagem para financiamento das atividades do BC é consistente com os procedimentos adotados entre os mais importantes bancos centrais do mundo, como Canadá, Estados Unidos, Suécia, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, além do Banco Central Europeu.

No BC, a avaliação é de que a aprovação da PEC não será ruim para o Executivo, a depender do formato que for aprovado pelo Congresso. Um dos argumentos é que pode liberar espaço no Orçamento para outras despesas.

Há ainda uma preocupação no banco com risco de "derretimento" do quadro de servidores.

Vanderlan, autor da PEC, minimiza a tensão gerada pela proposta, diz que o texto não vai tirar poder do Executivo nas indicações de diretores e que a medida vai conter a fuga de servidores da autarquia para o setor privado.

"Se a questão é com o presidente do BC, o Roberto não vai ser beneficiado em nada. Após este ano, ele está fora. Em janeiro, ele não é mais presidente do BC, vai cuidar da vida dele", diz.

O relator da PEC, Plínio Valério (PSDB-AM), negou à Folha que vá incluir no seu relatório poder para o Senado indicar a diretoria do BC ?como chegou a aventar o governo, que hoje tem a prerrogativa.

"Eu não tenho nenhuma disposição em fazer isso. A preocupação é que nós chamássemos toda a responsabilidade para o Senado, retirasse deles o que eles têm hoje", admitiu.

O relator garantiu que não vai incluir no texto da PEC nada que tire poder do governo.

"Essa autonomia não pode ser liberdade total. Não queremos perder as prerrogativas do Senado, mas também não podemos amordaçar o governo. Aqui não é o Alexandre de Moraes [ministro do Supremo]", afirmou.

Valério antecipou que vai criar na PEC um gatilho para permitir que o próprio BC tenha poder para definir seu plano de carreira e reajustes. "Tem funcionário do BC que cuida do Pix ganhando R$ 4.000", disse.

Ele também minimizou eventuais atritos entre Haddad e Campos Neto em relação à PEC.

"Não tem de ficar preocupado com isso. Assim como eu não vou sair do meu gabinete para ouvir o Haddad, não vou ouvir o Roberto Campos. Gosto dele, mas não vou ouvir", afirmou.

O presidente do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do BC), Fábio Faiad, disse que a PEC atrapalha as negociações salariais.

Para ele, o governo deveria esgotar a negociação para acertar o problema "mais gritante", que é o reajuste salarial, para depois discutir o formato da PEC. "Entraram com a PEC atrapalhando a negociação que já estava difícil e agora estamos tentando avançar", disse.


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