SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Empresas estão considerando entrar na Justiça para não ter que encaminhar os dados que alimentarão os sistemas do governo federal conforme exige a Lei da Igualdade Salarial, segundo advogados ouvidos pela reportagem.
O prazo para entregar o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios foi prorrogado para a próxima sexta-feira (8), mas as companhias entendem que a base de dados usada na elaboração dos relatórios exigidos é frágil, o que pode criar uma impressão de que a empresa não adota medidas para promover a igualdade de gênero.
O efeito, ao final, seria o comprometimento de sua imagem pública. Segundo a lei, companhias com mais de cem funcionários devem prestar informações sobre seus quadros para fiscalização da desigualdade de remuneração entre gêneros.
A base de dados considerada para o relatório é a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações). Na avaliação do advogado Caio Taniguchi, sócio na área de Direito Trabalhista e Previdenciário do escritório TozziniFreire, ela é limitada por não mostrar possíveis razões para as diferenças salariais em um mesmo cargo, como tempo de empresa, especializações do funcionário, empenho etc.
A preocupação maior é com o que consideram ser falta de clareza sobre o que será considerado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, responsável por fiscalizar as companhias no âmbito da lei e aplicar as multas. Quem não enviar os dados para o relatório pagará multa administrativa de até 3% sobre a folha de pagamento, com limite fixado em cem salários mínimos.
Taniguchi chama atenção para o fato de que a elaboração do relatório caberá ao Ministério do Trabalho e Emprego, e não às empresas. Esse é outro ponto de insegurança para os empresários.
A advogada trabalhista Fábia Bertanha, do escritório Lopes Muniz, aponta ainda que os dados também não consideram pontos negociados em acordos coletivos ou normas internas que podem gerar diferenças salariais e que não seriam discriminatórias
Além da falta de detalhamento, Manuela Cristina Fernandes Leite, advogada trabalhista que coordena o Chiode Minicucci Advogados, destaca que a CBO agrupa os cargos em grandes grupos. "Significa que uma imensa variedade de cargos que, muitas vezes, têm remunerações bastante distintas entre si, estarão agrupadas dentro do mesmo 'universo'", pondera Leite.
A classificação de ocupações, segundo Taniguchi, do TozziniFreire, nunca foi usada para fins de fiscalização, apenas para levantamento estatístico. Com isso, não há um detalhamento nesse sistema de como funcionam as estruturas de cargos existentes.
Junto aos ministérios do Trabalho e Emprego e das Mulheres, os advogados que atendem empresas avançaram pouco na tentativa de tirar dúvidas. Após uma transmissão online feita pelas pastas para tratar do assunto, a percepção foi de mais problemas.
Um deles, segundo Manuela Leite, é a decisão dos ministérios de utilizar informações relativas ao "salário mediano contratual", ao "salário mediano de admissão" e ao "salário médio efetivamente pago".
"Nenhuma dessas definições está na legislação. A questão matemática, entre médias e medianas, já é bastante complexa -pois não são números fáceis de achar para uma empresa", diz a advogada.
O Ministério do Trabalho e Emprego foi procurado pela reportagem, mas ainda não respondeu.
As empresas também temem os efeitos da divulgação dos dados de salários e cargos, tanto para a competividade entre companhias, e também porque permitirá que os empregados comparem suas remunerações a partir de critérios objetivos. Isso mesmo após o Ministério da Mulher garantir que a lei não fere a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
"Na minha leitura, a publicização desses dados aumentará a judicialização dos pedidos de isonomia e equiparação salarial", diz a advogada Gabriela Carvalho, coordenadora trabalhista do escritório PSG Advogados.
Quando o empregado for único em sua função, há ainda o risco de fácil identificação, mesmo que seu nome seja preservado.
Reajustes salariais por produtividade e meritocracia também ficariam sob risco. Como o relatório será amplamente divulgado, as empresas poderiam evitar essas promoções para que elas depois não sejam vistas como discriminatórias.
Para a advogada Érika Seddon, sócia da prática de Trabalhista e Sindical do escritório Mattos Filho, a preocupação das empresas com o dano reputacional é legítima. Na avaliação dela, o relatório poderá expor um grau de desigualdade de gênero que realmente existe, mas aparentando ser pior do que é a realidade.
A legislação que trata da equidade salarial também exige que as empresas informem suas políticas para promoção de igualdade. Segundo Caio Taniguchi, do TozziniFreire, o formulário disponível tem apenas tópicos que engessam o lançamento das informações.
Os advogados dizem que, apesar de existir desigualdade de gênero nas companhias, há um esfoço em adotar práticas que reduzam a disparidade.
"Não adianta só correr atrás das empresas para que elas adequem suas práticas salariais, enquanto a regulamentação da licença paternidade ainda está parada no Congresso Nacional, por exemplo", diz a advogada Manuela Cristina Fernandes Leite.
A expectativa dos advogados que atendem empresas é a de que o início da vigência da lei sirva mais como ferramenta educativa e não punitiva.
À reportagem, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalvez, disse que não pretende multar empresas imediatamente. Segundo ela, o governo quer ver a lei ser cumprida ao menos com igualdade salarial na base, ou seja, em salários iniciais nas companhias.
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