BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - No comando da área de inteligência da Receita Federal , o auditor fiscal Sérgio Messias afirma que todos os programas de desoneração -e não apenas o Perse, voltado ao setor de eventos e alvo de operação da PF nesta terça (12)- estão na mira do Fisco por serem atrativos para interessados na lavagem de dinheiro.

O motivo é que, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento dos setores beneficiados, a desoneração também chama a atenção de criminosos interessados em lucrar ainda mais do que o normal.

Na prática, um criminoso disposto a lavar o dinheiro por meio de uma empresa não consegue escapar dos custos tributários. Mas ao usar empresas de setores desonerados, ele evita até esse custo e maximiza a capacidade de lavar seu dinheiro sujo.

"Não tem problema para eles gastarem um pouquinho para poder trazer esse dinheiro como livre para ser usado. Mas, se eles têm a possibilidade de tentar usar um programa que foi criado para ajudar, sem o custo para eles, acabam utilizando. A Receita inteira fica de olho", disse Messias.

Por causa dessa possibilidade, afirma ele, a Receita, "está de olho em qualquer caso em que haja uma desoneração, uma isenção tributária, não só especificamente do Perse, que pode ser utilizada para lavagem de dinheiro".

Messias falou à reportagem após a Receita e a PF deflagrar a operação Latus Actio contra suspeitos de crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro supostamente praticados por empresas do setor de eventos e de autopeças.

No caso da operação, a PF e a Receita investigam uma empresa beneficiária do Perse que é suspeita de lavar dinheiro, inclusive do tráfico de drogas e do PCC (Primeiro Comando da Capital).

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PERGUNTA - Como as suspeitas de lavagem de dinheiro entraram no radar da área de inteligência da Receita?

SÉRGIO MESSIAS - Estamos de olho em qualquer caso em que haja uma desoneração, uma isenção tributária, que pode ser utilizada para lavagem de dinheiro. Não só especificamente do Perse.

Quando uma organização criminosa tenta lavar algum dinheiro que é ilícito, busca trazer uma licitude para esse dinheiro. E usa empresas, porque nas empresas se consegue misturar dinheiro lícito com ilícito.

Qualquer lavagem de dinheiro, em tese, tem custo. Mas, se eles têm a possibilidade de tentar usar um programa, que foi criado para ajudar, sem o custo para eles, acabam usando. A Receita está de olho nisso.

P - Já tendo esse histórico de que qualquer tipo de desoneração é um atrativo, vocês começaram a fazer um pente-fino?

SM - Inicialmente, o que se identifica é que a empresa usou o programa para poder desonerar despesas. Isso agora vai ser visto de forma ostensiva. Um exemplo é a operação de hoje, mas não é o único.

Certamente temos outros casos que estão sendo trabalhados. Alguns casos são de lavagem de dinheiro. Outros podem ser simplesmente uma tentativa de não pagar tributo.

P - Tem tráfico envolvido?

SM - Na operação, tem. Pode ser que haja outros casos com tráfico também. Como é uma situação que viabiliza a lavagem de dinheiro com menos custo, qualquer tipo de crime que traga no seu bojo uma futura lavagem de dinheiro. Não só tráfico.

P - O PCC está envolvido?

SM - É possível.

P - No trabalho de um olhar mais voltado para o Perse, a Receita identificou grupos empresariais que não são totalmente do setor de eventos, mas, percebendo a desoneração do Perse, criam uma empresa que é de eventos para colocar toda a sua receita?

SM - É uma das situações que estão sendo identificadas. Empresas que, na época, não eram do setor de eventos e passaram para o setor de eventos. Empresas que não existiam, que foram criadas depois do Perse para o setor de eventos. Pode ocorrer até empresas que são do setor de eventos estarem usando de forma incorreta.

P - A política do Perse facilita a lavagem, já que é um programa que desonera o pagamento do IR, PIS/Cofins e CSLL, tributos cobrados pela Receita?

SM - Qualquer programa que desonere esse tipo de despesa para pagamento de tributo ou que conceda isenção pode ser usado indevidamente.

Todos esses programas podem ter uma origem justificada, uma justificativa razoável, viável para serem implementados, principalmente no caso do Perse da época da pandemia.

P - O Brasil assinou acordos internacionais assumindo compromissos de combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Isso pressupõe que não haja políticas públicas que facilitem esse tipo de prática. A imagem do Brasil não pode ser prejudicada [com a existência de programas que dão margem aos crimes]?

SM - No âmbito do Gafi [Grupo de Ação Financeira] existem avaliações múltiplas, ou seja, todos os países são avaliados pelos demais integrantes. E o Brasil foi avaliado agora em dezembro de 2023 e recebeu uma nota muito boa.

Programas que tragam incentivo não necessariamente trazem alguma dificuldade para as avaliações. O que vai trazer dificuldade é você não ter condições de investigar ou de evitar o mau uso de todos esses programas, que não é o nosso caso.

O Brasil tem mostrado que investiga bastantes casos de lavagem de dinheiro. Então eu não acredito que isso possa trazer dificuldades para a avaliação do Brasil numa próxima rodada.

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RAIO-X

Sérgio Luiz Messias de Lima, 59

Auditor fiscal há 31 anos, atuando na inteligência por 14 anos no total e desde 2023 no comando do setor dentro da Receita Federal

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