BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - A construção de trecho de uma das maiores linhas de transmissão do Brasil está sob suspeita de crimes ambientais e é motivo de uma briga entre a proprietária de uma fazenda em Minas Gerais e a empresa responsável pelas obras.

O impasse, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), coloca sob risco o fornecimento de energia no sudeste do país.

O cenário da disputa é o município de Delfim Moreira, região sul de Minas, a 472 quilômetros de Belo Horizonte, onde está a fazenda São Francisco dos Campos de Jordão, cortada por 18 torres de linhas de transmissão construídas pela empresa portuguesa de energia EDP.

A concessionária afirma que seguiu a legislação e que o empreendimento foi devidamente licenciado pelos órgãos ambientais, com todas intervenções feitas dentro dos limites das autorizações.

A companhia foi a vencedora do leilão do lote 18 para obras da ligação entre a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e São Paulo.

O lote 18 é o último do trecho. Começa em Estreito, no município de Tiros, no Alto Paranaíba, em Minas Gerais, e vai até Cachoeira Paulista (SP), próximo a Guaratinguetá, percorrendo 740 de um total de 2.832 quilômetros entre Belo Monte e o município de São Paulo.

Em Delfim Moreira, dentro da fazenda São Francisco dos Campos de Jordão, as obras da EDP tiveram que ser feitas em área de preservação ambiental, a APA Serra da Mantiqueira, envolvendo impactos inclusive nos chamados campos de altitude, uma formação vegetal rara.

Uma das proprietárias da fazenda, a advogada Lavinia Moraes de Almeida Nogueira Junqueira, herdeira juntamente com outros familiares de Francisco de Paula Vicente de Azevedo, o Barão de Bocaina, afirma que as obras para construção das torres não seguiram determinações ambientais dentro de área protegida.

As irregularidades, conforme Lavínia, começaram a ser notadas em 2021. Segundo a advogada, durante as obras para a construção das torres e de estradas de acesso, árvores centenárias, entres as quais araucárias, espécie ameaçada de extinção, foram arrancadas.

Também ocorreram, conforme a advogada, escavações em morros com nascentes e poluição de cursos d'água, o que provocou a morte de peixes.

Lavinia disse ter acionado o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Ao mesmo tempo, entrou com processos na Justiça, fez boletins de ocorrência, criou um canal no Youtube para mostrar a atuação da EDP na região e contratou especialistas ambientais para produção de laudos sobre impactos das obras.

O levantamento contratado pela advogada acusou a derrubada de 378 árvores, de forma ilegal, conforme a proprietária da fazenda.

O Ibama, no início deste mês, informou à proprietária da fazenda que uma vistoria foi realizada. O instituto disse ainda que um documento técnico com a "descrição das inconformidades observadas" está sendo produzido.

A inspeção foi feita entre 27 e 30 de novembro de 2023. "Este documento fornecerá subsídios para eventual aplicação de sanções administrativas cabíveis pela diretoria de proteção ambiental do Ibama e adoção de medidas corretivas no licenciamento do empreendimento", afirma o Ibama, no despacho repassado à Folha pela advogada.

As obras do lote 18 foram concluídas em maio de 2022, conforme informações da EDP.

RISCO AO SISTEMA

Encerradas as obras, as equipes da EDP precisam passar pela área da fazenda, usando estradas que abriram, para manutenção das torres de transmissão. A proprietária afirma, porém, que a empresa fez mais acessos que o necessário.

Um dos processos que abriu é por conta disso. A advogada chegou a conseguir decisão judicial para que a empresa não utilizasse uma dessas estradas que, conforme afirma, passava em frente à sede da fazenda, provocando dificuldade de permanência na casa. A advogada mora em São Paulo, mas a propriedade é constantemente visitada pela família.

Questionada pela advogada sobre o uso da estrada em processo administrativo, e após ouvir posicionamento da EDP, a Aneel apontou risco no fornecimento de energia caso a manutenção das torres não fosse feita.

A Aneel disse que o pedido da proprietária da fazenda, de não uso da estrada, "pode colocar em risco a segurança do sistema interligado nacional e a prestação do serviço público de transmissão de energia". Com o posicionamento da Aneel, a empresa assegurou o direito de usar a estrada. O processo, porém, segue na Justiça.

A estrada foi aberta a partir de resolução autorizativa da Aneel que declarou de utilidade pública a área usada para construção da via.

A empresa portuguesa diz em nota que as obras para construção do lote 18 foram realizadas dentro da legislação.

"A EDP esclarece que o empreendimento denominado Lote 18 (EDP SP-MG) foi construído em estrita observância à legislação vigente e às regulamentações emitidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), autarquia vinculada ao Ministério das Minas e Energia que regula o setor elétrico brasileiro", afirma a empresa, em nota.

"Além disso, o empreendimento foi devidamente licenciado pelo órgão ambiental competente (Ibama), de modo que toda e qualquer intervenção foi realizada dentro dos limites das autorizações concedidas", segue o comunicado da EDP.

A advogada Lavínia afirma haver em todo o imbróglio também a necessidade de indenização por parte da empresa em relação ao uso da fazenda para as obras. Diz, porém, que não é essa a causa do impasse. "Protegemos essa área há 140 anos", afirma.

A reportagem enviou questionamentos ao Ibama, que afirmou em nota que "não constam multas ou embargo pelo Ibama à empresa relatada. Por se tratar de APA, sugerimos que a solicitação seja encaminhada ao ICMBio".

Em nota, o ICMBio disse que "investiga a denúncia recebida, a fim de adotar medidas para inibir crimes ambientais dentro da unidade de conservação federal".


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