BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A incerteza sobre a velocidade do processo de queda da inflação requer mais flexibilidade e, na avaliação de alguns membros do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, ela pode levar a um ritmo de corte de juros mais lento à frente, conforme ata divulgada nesta terça-feira (26).

O comitê, contudo, pondera que seria um "equívoco" entender a alteração na comunicação sobre os passos futuros da Selic como uma sinalização de mudança no ciclo fechado da política de juros.

O colegiado do BC vê como apropriado aumentar seu grau de liberdade diante da maior incerteza nos ambientes internacional e doméstico, embora o cenário-base trabalhado pelo comitê não tenha sido alterado significativamente entre os encontros de janeiro e março.

Para parte do Copom, se essa incerteza permanecer elevada adiante, uma desaceleração no ritmo de cortes de juros pode ser apropriada, qualquer que seja o patamar da Selic ao término do ciclo de flexibilização.

"O cenário-base não se alterou substancialmente, mas, com as incertezas do cenário, julgou-se apropriado ter maior flexibilidade de política monetária. Ainda que a comunicação já contivesse uma condicionalidade embutida, avaliou-se que não trazia a flexibilidade requerida", disse.

No comunicado divulgado logo após a decisão, na semana passada, o comitê deixou de se comprometer com novos cortes da mesma magnitude (0,5 ponto percentual) "nas próximas reuniões" e abandonou o plural no texto, sinalizando uma redução da mesma intensidade apenas no próximo encontro, em maio.

"Tal alteração reflete tão somente uma análise de custo-benefício da utilização desse instrumento adicional de política monetária. Por fim, reforçou-se que seria um equívoco interpretar a mudança na sinalização futura como uma indicação de alteração do ciclo de política monetária compatível com o cenário-base", acrescentou.

De acordo com o colegiado do BC, uma retirada tardia do "forward guidance" (prescrição futura) poderia ser vista como uma promessa não cumprida e deveria ser evitada, pois poderia gerar impacto sobre a credibilidade da comunicação do Copom e provocar volatilidade excessiva no mercado.

"Alguns membros argumentaram ainda que, se a incerteza prospectiva permanecer elevada no futuro, um ritmo mais lento de distensão monetária pode revelar-se apropriado, para qualquer taxa terminal que se deseje atingir", afirmou.

Ao detalhar os fatores que tornaram o cenário mais incerto, o Copom citou que surgem dúvidas com relação à velocidade de desinflação de serviços em função da atividade econômica mais resiliente.

Os membros observam que houve aceleração de rendimentos e da massa de salários, reforçando o diagnóstico de um mercado de trabalho dinâmico. Diante disso, o comitê fala em seguir acompanhando os dados em profundidade por conta da dificuldade de se chegar a uma conclusão assertiva sobre o tema.

A ata mostrou que houve uma extensa discussão entre os membros do colegiado sobre o mercado de trabalho e seus impactos sobre a atividade econômica.

Para o Copom, a evolução do indicador que mede a diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo (chamado de hiato do produto) e do comportamento do mercado de trabalho é muito relevante para determinar a velocidade com que a inflação atingirá a meta.

A partir deste ano, a meta de inflação definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que o objetivo é considerado cumprido se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

"Notou-se que um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da meta de inflação e sem ganhos de produtividade correspondentes, pode potencialmente retardar a convergência da inflação, impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em mão de obra", disse.

O comitê incorporou também como fonte de incerteza um processo mais lento de queda da inflação. "Esse aumento de incerteza prescreve cautela na condução da política monetária", afirmou.

Quanto à conjuntura internacional, o colegiado do BC disse que o processo de desinflação se mostra mais incerto diante da força da atividade econômica nos Estados Unidos e de seu impacto nas condições financeiras globais.

"Os impactos da política monetária sobre a atividade e a inflação também geram incerteza na velocidade da desinflação em diversos países", acrescentou.

Na última quarta-feira (20), o Copom reduziu a taxa básica de juros (Selic) pela sexta vez seguida em 0,5 ponto percentual, de 11,25% para 10,75% ao ano. Com esse novo corte, o colegiado do BC manteve a intensidade aplicada desde o início da flexibilização de juros, em agosto do ano passado.

No cenário de referência do Copom, as projeções de inflação para este ano e para o próximo se mantiveram em 3,5% e de 3,2%, respectivamente.

O Goldman Sachs, em relatório assinado pelo economista Alberto Ramos, considerou a mensagem da ata como mais conservadora e destacou que o Copom decidiu encurtar a orientação sobre seus passos seguintes por avaliar, de forma unânime, que o cenário mais incerto reduzia os benefícios e aumentava os custos de uma sinalização mais longa.

Para os próximos encontros, a instituição financeira global espera que o comitê faça um novo corte de 0,5 ponto percentual em maio e vê a decisão de junho ainda indefinida.

"Com todos os dados e o balanço geral dos riscos para a inflação ditando se o Copom entregará outro corte de 0,5 ponto na reunião de junho, ou reduzirá para um corte mais cauteloso de 0,25 ponto percentual", afirmou.

O banco de investimento destacou também a preocupação adicional do Copom com a dinâmica do mercado de trabalho e seu potencial impacto sobre a inflação de serviços, além dos efeitos das expectativas de inflação acima da meta por um período prolongado.

O Bank of America ressaltou em seu relatório, assinado por David Beker e Natacha Perez, que aumentou substancialmente o risco de o colegiado do BC reduzir o ritmo de ajuste para um corte de 0,25 ponto percentual em junho.

Ainda assim, a instituição disse continuar esperando que a Selic atinja 9,5% ao término do ciclo em 2024. Em seu cenário-base, projeta cortes de 0,5 ponto percentual nas duas próximas reuniões (maio e junho) e uma redução final de 0,25 ponto em julho.

"O BC claramente se torna mais dependente dos dados [nas próximas reuniões]", afirmou.

O economista-chefe do PicPay, Marco Caruso, também vê crescer a chance de um corte de 0,25 ponto percentual em junho, embora o cenário para duas reuniões à frente ainda não esteja fechado hoje.

Para ele, houve um grande esforço do comitê de trazer uma visão mais clara sobre o que espera da trajetória da taxa básica de juros.

"A leitura do documento deixa um viés hawk [duro], ao trazer passagens como a que o Copom discutiu o ritmo das demais quedas do juro, ainda que mire a mesma Selic terminal", afirmou.

A instituição vai aguardar a publicação do relatório trimestral de inflação, na próxima quinta-feira (28), para uma eventual revisão de cenário.

Marcello Casal JrAg..ncia Brasil - Real Moeda brasileira

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