Enedina Alves Marques, a primeira mulher a se formar em engenharia no Paraná e a primeira engenheira negra do Brasil, completaria hoje (13) 110 anos. Enedina nasceu em Curitiba, no dia 13 de janeiro de 1913. Formou-se em Engenharia Civil em 1945, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ela morreu em 1981 e recebeu uma série de homenagens. Nesta sexta-feira é ela quem aparece na página principal de buscas do Google.
“O pioneirismo de Enedina inspira até hoje a presença de mulheres negras em profissões ligadas à tecnologia”, disse a UFPR. De acordo com a universidade, a dedicação aos estudos e “a coragem para romper barreiras são características presentes na história da engenheira”.
A biografia de Enedina, que em 1940 buscou inserir-se em uma área profissional ocupada majoritariamente por homens, foi tema do trabalho de conclusão do curso de história na UFPR do estudante Jorge Luiz Santana.
O estudante diz, em artigo, que escolheu escrever sobre ela porque havia poucos registros até então. “O silenciamento do seu nome incentivou a pesquisa a problematizar o porquê do desinteresse em dar visibilidade a uma pessoa que desafiou os padrões acadêmicos e sociais escolhendo uma profissão pouco usual para as mulheres, naquele momento. O fato de ser negra e originária de uma família pobre teria sido relevante para que ela permanecesse no anonimato?”, questiona. Enedina é filha de um lavrador e uma empregada doméstica.
Na pesquisa, Santana conversou com várias pessoas ligadas de alguma forma à Enedina. Um dos primeiros relatos é o da formatura de Enedina. “Sua formatura foi marcada, essencialmente, como um feito de grande curiosidade para a sociedade curitibana, pelo fato de ter conseguido transpor um espaço hegemonicamente masculino e branco”.
Ela graduou-se aos 32 anos de idade, após persistir nos estudos, geralmente em classes noturnas, para conciliá-los com o trabalho.
Santana lembra que ela sofreu preconceito e perseguições na universidade. Havia professores que insistiam em reprová-la. Em um dos episódios em que recebeu nota baixa em avaliação, ela precisou mostrar ao professor o trecho que usou na resposta, tirada do livro do próprio professor. “Eu disse [para o professor], que o que o senhor escreveu no seu livro, é o mesmo que eu vejo aqui. E aí ele não gostou. Ela mostrou no livro o que eu deduzi lá no quadro, e a conclusão que eu cheguei estão escritos aqui no seu livro”, revelou em depoimento o que Enedina disse ao professor o colega de faculdade Adelino Alves da Silva, que foi a quarta pessoa negra a se diplomar no curso de engenharia da Escola de Engenharia do Paraná, em 1947.
Em artigo, Conradine Taggesell, a sexta mulher diplomada em engenheira civil, em 1956, descreve o cenário para as mulheres na época. “Éramos uns 80 alunos e apenas três mulheres. Apenas eu de mulher me formei naquela turma, as outras duas colegas infelizmente desistiram. Eu me dava bem com os professores. Naquele tempo, a faculdade de engenharia era reduto masculino”.
Obras e homenagens
A Universidade Federal de Itajubá (Unifei) possui um espaço online para a descrição da vida de personalidades, do qual Enedina faz parte. De acordo com a publicação, depois de formada, em 1946, ela tornou-se auxiliar de engenharia na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas. No ano seguinte, o governador Moisés Lupion a transferiu para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, onde trabalhou no Plano Hidrelétrico do Paraná e atuou no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.
Entre suas obras como engenheira estão a Usina Capivari-Cachoeira, o Colégio Estadual do Paraná e a Casa do Estudante Universitário de Curitiba (CEU). A Usina Capivari-Cachoeira, que é a maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país, é considerada uma das principais obras da engenheira.
Sobre a obra, a Unifei revela uma curiosidade que reflete a desigualdade de gênero no país. “Apesar de vaidosa em sua vida pessoal, durante a obra na usina ficou conhecida por usar macacão e portar uma arma na cintura para se fazer respeitada. Enérgica e rigorosa, impunha-se sempre, pois, além de ser mulher trabalhando num ambiente majoritariamente ocupado por homens, era negra”.
Em 1962, Enedina aposentou-se e recebeu o reconhecimento do então governador Ney Braga, que, por decreto, admitiu os feitos da engenheira e lhe garantiu proventos equivalentes ao salário de um juiz. Enedina morreu em 1981.
Alguns anos depois, em 1988, deu nome a uma importante rua no bairro Cajuru, em Curitiba. No ano de 2000, foi imortalizada no Memorial à Mulher Pioneira do Paraná, em Curitiba, ao lado de outras mulheres pioneiras do Brasil. Em 2006, foi fundado o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, em Maringá.
Mulheres nas ciências
Ainda hoje, as mulheres, e sobretudo mulheres negras, enfrentam uma série de desafios e desigualdades nas carreias científicas.
Relatório divulgado no ano passado pelo British Council, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostra que as mulheres representam quase a metade, 46%, do total de pesquisadores nos países da América Latina e do Caribe. Com isso, a região conquistou, na última década, a paridade de gênero na ciência. Mesmo nesse cenário, meninas e mulheres ainda enfrentam uma série de desigualdades no que diz respeito ao acesso a temas científicos, além de sofrerem preconceito e violência de gênero nesses países.
Quando considerados apenas os estudos em STEM, sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática, a desigualdade aumenta. O estudo mostra que a porcentagem de mulheres investigadoras que trabalham em engenharia e tecnologia na região é muito mais baixa do que a dos homens. Em alguns países, como Bolívia e Peru, essa porcentagem é inferior a 20%.
Em relação à desigualdade racial no ensino superior, texto publicado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) mostra que jovens brancos e amarelos passaram de ter 2,8 vezes mais chances de estarem matriculados no ensino superior público que jovens pretos, pardos e indígenas em 2001, para 1,6 vezes mais chances em 2021.
“Entretanto, é preciso dizer que brancos e amarelos ainda têm um peso maior no ensino superior público do que pretos, pardos e indígenas, o que nos coloca ainda longe de um estágio de equidade que permita cogitar o fim das cotas raciais”, diz o texto.
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