SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Fifa confirmou nesta quinta-feira (11) a antecipação da abertura da Copa do Mundo. O confronto entre Qatar, a seleção da casa, e Equador, passou para 20 de novembro no Al Bait Stadium. A partida estava marcada para o dia seguinte.

Isso significa que esta sexta-feira (12) marca o início da contagem regressiva de 100 dias para o início do Mundial.

A mudança de última hora, 12 anos após a nação ter sido eleita para sediar o Mundial de 2022, é mais uma entre as muitas polêmicas envolvendo o torneio que, pela primeira vez, por causa do verão qatari, será entre novembro e dezembro, não em junho.

Jamais uma escolha de sede foi tão tumultuada. Na rodada final de votos, o Qatar bateu os Estados Unidos por 14 a 8. Entre todas as eleições feitas pela Fifa para determinar um país para receber a competição, nenhuma foi alvo de tantas denúncias de corrupção.

O Qatar não é o primeiro país a ter um objetivo que vai além do esportivo ao receber a Copa. Houve no passado questões de geopolítica (como a Rússia-2018), uso político de uma ditadura (Argentina-1978) e econômicas, claro. Os organizadores do Mundial russo estimaram que a realização do torneio adicionou US$ 14 bilhões à economia nacional (R$ 72 bilhões pela cotação atual).

O cálculo do governo qatari para o evento deste ano é de US$ 17 bilhões (R$ 87,5 bilhões).

A nação árabe está a 100 dias de dar um passo decisivo em um plano muito maior. A Copa faz parte do "Qatar National Vision 2030", plano nacional que pretende fazer com que o país seja um polo de turismo sustentável até 2030. Isso inclui uma estratégia de expandir a economia além da extração de petróleo e gás natural.

As duas riquezas representam mais de 70% das finanças locais e mais de 60% do Produto Interno Bruto. Também são 85% das exportações do Qatar, dono da terceira maior reserva de gás natural do planeta.

O custo total do "Qatar National Vision 2030" não foi divulgado, mas parte está na construção da cidade de Lusail, ao lado da capital Doha. A intenção é que seja um dos cartões de visita da Copa. O projeto recebeu investimento de US$ 45 bilhões (R$ 231,8 bilhões pela cotação atual). Nela está incluída o Estádio Icônico de Lusail, que será o palco da final em 18 de dezembro.

A cidade erguida do zero também é alternativa para imigrantes que ganham altos salários e qataris viverem bem ao lado de Doha. Lusail não foi concebida para imigrantes pobres, que dedicados aos trabalhos braçais ?a maioria da população no país.

Das 2,8 milhões de pessoas que vivem no Qatar, apenas cerca de 350 mil são locais. Todos os outros são imigrantes. Eles são a força de trabalho responsável por colocar de pé as obras de infraestrutura e estádios que tornarão a Copa possível.

"A Copa do Mundo é catalisadora para mudanças positivas. Nos últimos dez anos, alterações significativas que aconteceram nas condições de trabalho fizeram nossos maiores críticos reconhecerem o comprometimento do Qatar e as mudanças que aconteceram", disse ao jornal Folha de S.Paulo em 2019 o secretário-geral do comitê, Hassan Al Thawadi.

É uma mensagem que tem sido passada exaustivamente ao mundo porque é motivo de preocupação: como os torcedores estrangeiros verão o Qatar e como o Qatar verá os visitantes estrangeiros. O sonho da Fifa é que agora aconteça uma repetição do fenômeno russo de 2018, quando o país e sua população se abriram para os diferentes hábitos dos visitantes que viajaram para a Copa.

O potencial conflito está com a comunidade LGTBQA+ e as mulheres.

O Qatar é o local do Golfo Pérsico que oferece mais direitos às mulheres, mas isso não significa muito comparado às nações ocidentais. No ranking global de igualdade de gêneros, está em 44º. Doha é uma das cidades do Oriente Médio mais tolerantes socialmente e é comum mulheres andarem na rua com trajes ocidentais.

O desejo de mudar, graças ao Mundial, a visão que os estrangeiros têm do país não alterou o peso da mulher na sociedade. As leis dão mais peso ao homem nas heranças, no casamento e testemunhos em casos judiciais. O fator mais controverso é no divórcio e nos direitos sobre os filhos.

As demonstrações de afeto em público são proibidas no Qatar. Assim como a homossexualidade.

"Trabalhamos muito duro para educar as pessoas sobre a nossa cultura, que é conservadora progressiva. Há uma lista de regras que não são exclusivas do Qatar e são adotadas por uma porção do globo. Nós pedimos aos visitantes que apreciem e respeitem a nossa cultura. Ao mesmo tempo, que aproveitem a hospitalidade que oferecemos", defende Hassan Al Thawadi.

"Exibições públicas de afeto, seja entre homem e mulher ou de outros casais, não fazem parte da nossa cultura, e pedimos que as pessoas respeitem isso. Não mostrem isso em público. Não estamos dizendo que não sejam elas mesmas. Mas é importante que tenham mente aberta, que aproveitem o diferente e não foquem o negativo."

O Qatar passou os últimos 12 anos se defendendo também com relação aos direitos da mão de obra trabalhadora imigrante.

Há denúncias de taxas ilegais cobradas por intermediários e empresas para a contratação, não pagamento ou retenção indevida de salários, condições análogas à escravidão, horários de trabalho exaustivos em temperaturas que podem superar os 50ºC no verão e, especialmente, a "kafala".

Esta é a lei que determinava que o trabalhador migrante só pode mudar de emprego se o patrão anterior lhe der uma carta o autorizando. O Qatar afirma que a "kafala" foi extinta, mas as entidades responsáveis pelo relatório dizem que ela continua em vigor em várias companhias.

De acordo com relatório da Anistia Internacional, "centenas de milhares de trabalhadores contratados para fazer o Mundial possível pagaram taxas exorbitantes e nunca foram reembolsados". "Outros milhares foram enganados nos salários por empregadores abusivos, obrigados a trabalhar por horas excessivas ou submetidos a condições análogas ao trabalho forçado."

O Qatar afirma ter implementado reformas trabalhistas que não são devidamente reconhecidas por algumas entidades internacionais. Além do fim da "kafala" e do reembolso das taxas, informa ter obrigado empregadores a diminuir horários de trabalhos, melhorado a situação dos operários no verão e tomado providências quanto a salários não pagos.

O país passou os últimos anos também envolto em denúncias de corrupção e ter comprado os votos para vencer a eleição para a escolha da sede.

O comitê organizador continua obrigado a responder, mesmo tão próximo do evento, sobre o assunto. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos afirma que houve pagamento a oficiais da Fifa em troca dos votos para o Qatar. Alguns deles, sul-americanos, como Julio Grondona (presidente da Associação de Futebol Argentino, morto em 2014), o paraguaio Nicolás Leoz (presidente da Conmebol, morto em 2019) e o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira.

Teixeira sempre negou as acusações. O mesmo fizeram Grondona e Leoz enquanto estavam vivos.

De acordo com a revista France Football, o Qatar também pagou US$ 1,5 milhão (R$ 7,7 milhões pela cotação atual) para dois dirigentes africanos, membros do comitê executivo da Fifa.

O Qatar nega os subornos e diz que a escolha do país para sediar a Copa foi por ter apresentado a melhor proposta entre os candidatos.


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