SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O principal caminho que leva ao estádio de Old Trafford se chama Sir Matt Busby Way. Era Warwick Road, mas foi rebatizada em 1993 para homenagear o técnico que navegou na maior crise da história do Manchester United.
Busby foi um dos sobreviventes do acidente aéreo de 1958, que matou 23 pessoas e dizimou a jovem equipe que parecia destinada a conquistar a Europa. O treinador recebeu a extrema-unção três vezes, mas voltou para dez anos depois conquistar a Copa da Europa, atual Champions League.
O responsável por tirar um dos clubes mais ricos e conhecidos do mundo da crise atual, seja ele quem for, terá de receber também uma homenagem.
Sem conquistar o título inglês há nove anos, fora do maior torneio continental mais uma vez, com perda de receita, donos predatórios e sucessivos problemas em campo, o United vive um dos momentos mais difíceis de sua história. E, aparentemente, não sabe como sair dele.
"Os únicos responsáveis por sucessivos pontos baixos nesta nossa década de declínio são os donos do clube", reclama o CEO da MUST (sigla em inglês para a Associação Oficial de Torcedores do Manchester United), Duncan Drasdo.
O temor é que um novo ponto baixo aconteça nesta segunda-feira (22). A equipe recebe o Liverpool, seu maior rival, no principal clássico do futebol inglês. A mesma partida, na temporada passada, terminou em derrota do United por 5 a 0. É um tabu entre os adversários históricos que já chega a quatro anos.
O United é o lanterna da Premier League, com duas derrotas após duas rodadas. A última, na semana passada, foi um humilhante 4 a 0 diante do Brentford.
Antes do jogo desta segunda, estão programados protestos de torcedores em frente ao estádio. Cenas que se tornaram comuns. Um deles, em maio de 2021, impediu a realização de clássico contra o mesmo Liverpool.
"Apenas posso dizer que os donos querem vencer e queremos os torcedores apoiando o clube. Posso entender que não estou há tanto tempo aqui para compreender todo o contexto. Nós temos de lutar juntos e estarmos unidos", pediu o técnico holandês Erik tem Hag nesta sexta-feira (19).
A decadência do clube que até poucos anos atrás era o mais rico do mundo não é nova. Apenas foi retardada pela presença onipresente de Sir Alex Ferguson. Com mão de ferro, ele controlou tudo no futebol em Old Trafford por 26 anos. A partir de 1993, quando o time venceu o título inglês depois de 26 anos, colecionou troféus.
Foram 13 da Premier League, quatro Copas da Inglaterra, duas Champions League e dois mundiais de clubes (para ficar apenas nos mais importantes).
A partir da aposentadoria de Ferguson, em 2013, o Manchester United virou uma guilhotina de treinadores. Foram demitidos David Moyes, Louis van Gaal, José Mourinho e Ole Gunnar Solskjaer. Ralf Rangnick assumiu como interino e reclamou tanto em público da qualidade do elenco que os diretores não viam a hora de se livrar dele. O alemão chegou a dizer que eram necessários mais dez novos jogadores.
Dentro do centro de treinamento em Carrington, ten Hag possui nas mãos o desafio de unir um vestiário rachado, dividido em panelas e que vaza informações críticas de companheiros para a imprensa. Cristiano Ronaldo, preocupado com seus recordes pessoais na Champions League, quer ir embora.
Nesta sexta, o clube anunciou acordo para contratar o volante brasileiro Casemiro, do Real Madrid.
Para parte da torcida, o elenco é composto por jogadores preocupados apenas em receber pagamentos milionários e postar fotos no Instagram, não em se esforçarem pela causa.
Ficou na história a imagem do holandês Memphis Depay, aconselhado pelos próprios colegas a mostrar mais humildade, chegar para um jogo da equipe reserva, em 2016, dirigindo um Rolls Royce. Paul Pogba, contratado por 105 milhões de euros (R$ 547 milhões pela cotação atual) entrou em rota de colisão com José Mourinho, especialmente após postar um vídeo no Instagram, ao lado de outros atletas não relacionados, em que ria sem nenhum pudor enquanto a equipe era eliminada na Copa da Liga.
Mas nenhum deles é tão detestado em Manchester quanto qualquer pessoa com o sobrenome Glazer. A família americana controla o clube desde 2005 quando conseguiu a façanha de comprar a então agremiação mais valiosa do mundo sem gastar um centavo do próprio bolso.
Em uma operação financeira de sucessivos empréstimos bancários, eles levantaram cerca de 800 milhões de libras (R$ 4,1 bilhões pela cotação atual) para serem donos de 100% das ações do United, que é registrado como empresa na bolsa de valores.
Deram como garantia do pagamento os bens e receitas da própria agremiação. Do dia para a noite, o clube saiu de não dever nada a ninguém a ter débito de 800 milhões de libras. Que ainda não foi pago, acabou refinanciado, e está hoje em 600 milhões de libras (R$ 3,1 bilhões).
O autor da engenharia financeira, Ed Woodward, foi premiado com o cargo de CEO, apesar de jamais ter tido qualquer experiência no esporte. Seu período em Old Trafford, encerrado no ano passado, ficou marcado por trapalhadas.
Seu substituto, Richard Arnold, executivo também sem experiência prévia no mundo da bola, ficou conhecido dos torcedores ao se vangloriar que os resultados em campo não influíam na capacidade do Manchester United gerar engajamento em redes sociais.
"O único dinheiro gasto em jogadores é o que o clube gerou. Eles [os Glazers] não colocaram nada. Vamos tirar da cabeça este mito que a família Glazer coloca dinheiro no clube todos os anos, como Roman Abramovich fez no Chelsea", critica o lateral Gary Neville, referência da equipe entre os anos 1990 e 2000 e hoje comentarista da Sky Sports.
Não apenas não colocaram, mas tiraram. Segundo números dos balanços contábeis publicados, é que desde a compra, em dividendos e empréstimos familiares, os Glazers (também donos do Tampa Bay Buccaneers, da NFL) tiraram dos cofres de Old Trafford mais de 1 bilhão de libras (R$ 6,1 bilhões em dinheiro atual).
Ninguém da família jamais deu uma entrevista sobre o assunto. Uma equipe de TV do Reino Unido foi à Flórida, e abordou Joel Glazer, um dos proprietários, na saída de um shopping center. Ele entrou em sua Ferrari vermelha e saiu sem dizer nada.
O permanente estado de conflito em Manchester fez com que Elon Musk, o homem mais rico do mundo segundo a revista Forbes, dono de patrimônio avaliado em US$ 262 bilhões (R$ 1,35 trilhão), escrevesse no Twitter que estava comprando o clube. Pouco depois, disse ser apenas uma brincadeira.
O interesse de Sir Jim Ratcliffe, maior fortuna do Reino Unido (21 bilhões de libras ou R$ 129 bilhões), parece ser mais concreta.
Mas ninguém sabe ao certo quanto valeria a compra de um clube que, apesar dos problemas, continua a ser uma máquina de fazer dinheiro. De acordo com a consultoria KPMG, a receita do clube em 2021 foi de US$ 636 milhões (R$ 3,3 bilhões).
A estimativa é que o preço de venda poderia chegar a 8 bilhões de libras (R$ 49 bilhões). Seria a maior transação da história do mundo do esporte.
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