SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O futebol chinês não é mais o sonho dourado dos jogadores brasileiros, mas que ninguém diga isso a Marcos Vinicius Amaral Alves, o Markão, 28.
Entre 2015 e 2019, último ano antes do início da pandemia da Covid-19, os clubes da primeira divisão do país gastaram 1,43 bilhão de euros em novos jogadores (R$ 7,40 bilhões pela cotação atual).
No mercado de transferências de janeiro de 2017, por exemplo, a China movimentou mais que a Premier League, da Inglaterra. Foram 388 milhões de euros em reforços (R$ 2 bilhões, em número atualizado).
O coronavírus, as restrições de movimentação impostas e a dívida dos clubes estouraram a bolha do futebol local. Campeão em 2020, o Jiangsu Suning anunciou o encerramento das atividades no ano seguinte com dívidas de 500 milhões de yuans (R$ 379,5 milhões, hoje em dia).
O governo chinês, dono de 23% das operações da liga e capaz de intervir na economia nacional para direcionar os investimentos, mesmo que privados, avisou que o esporte não era mais prioridade.
"Eu vejo que continua com o mesmo nível de antes. Saíram atletas de nome, e automaticamente apareceram outros mais desconhecidos. Ainda está aqui o [belga Marouane] Fellaini. Por causa da pandemia, a China fechou [as fronteiras]. Passou a ser difícil entrar e sair do país", afirma o atacante brasileiro.
Com 16 gols, ele é o artilheiro do Campeonato Chinês e o maior nome do time que é um fenômeno do futebol local, o Wuhan Three Towns. Líder do torneio com 14 vitórias e um empate em 15 rodadas, a equipe saiu da terceira divisão para chegar à elite em três temporadas.
Wuhan é a cidade onde foi identificado o primeiro caso da Covid-19 em humanos e é considerado o berço da pandemia. Não por acaso, quando Markão disse aos seus parentes e amigos que jogaria pela equipe e moraria na região, a notícia não foi bem recebida.
"Ninguém entendeu. Meus familiares nem sabiam que a pandemia tinha começado aqui. Quando contei, perguntaram o que eu ia fazer, porque era um lugar que deveria ter muita doença... Essas coisas", disse.
Para o artilheiro, essa visão se dá pela falta de informações confiáveis sobre como tem sido a vida em Wuhan. Por ter sido a primeira cidade que viveu a pandemia, foi também a primeira a sair dela.
"Wuhan foi o primeiro lugar em que a pandemia acabou. Depois isso aconteceu com outros lugares. Eu disse para todo o mundo que por causa disso aqui era o lugar mais seguro. Quando tem um ou dois casos, eles fecham tudo de novo. A gente faz teste a cada dois dias e pode pegar de graça. Quando você anda pela rua, tem gente na calçada, oferecendo testes", diz.
Foi o que ocorreu nesta semana, mas não em Wuhan. Por causa de novos casos de Covid-19 identificados em outras cidades, a organização da liga decidiu adiar várias partidas das duas próximas rodadas, como medida de prevenção. O público nos estádios tem sido limitado a 5.000 pessoas.
Ir a Wuhan foi também um desafio esportivo para Markão. Ele chegou ao time quando este disputava a segunda divisão. Antes, defendia o Hebei Fortune, na elite.
"Desde que cheguei aqui, ainda não perdi", contabiliza, citando também a campanha no acesso no ano passado.
Ele sabe os números de cor: 34 partidas, com 31 vitórias e três empates. No período, anotou 31 gols e deu 30 assistências. Esse apego aos números vem de uma paixão que às vezes parece, pela maneira como fala sobre o assunto, ser maior que o futebol: basquete.
O hoje artilheiro ficou cinco anos sem calçar chuteiras na adolescência. Encontrou nas cestas uma forma de se aproximar dos pais em Tietê, interior de São Paulo. Markão jogava para o pai, técnico da equipe na cidade, e morava com a mãe.
"Peguei muito amor pelo basquete e perdi totalmente o contato com o futebol. Todo o mundo dizia que eu jogava bem e era armador. Eu queria ir morar nos Estados Unidos por causa do basquete", relembra.
Quando chegou aos 16, foi convidado para um amistoso de futebol ao qual não queria ir. Não via sentido. Toninho Oliveira, o treinador, mentiu. Disse que seria apenas uma brincadeira contra adversário de Itu e precisava de um centroavante para completar o time.
Markão aceitou para ajudá-lo. O adversário, na verdade, era o tradicional Ituano. O atacante fez três gols e foi convidado para ficar no clube, então dirigido por Juninho Paulista.
"Tive de escolher entre o futebol, onde vi uma maneira de ajudar minha mãe financeiramente, e o meu amor ao basquete."
Deu futebol. Com 1,96 m, ele é o jogador mais alto da liga no país asiático, o que lhe oferece vantagem também no jogo aéreo.
Markão deixa claro não ter grandes preocupações. Sente-se bem no futebol chinês e em Wuhan, onde recebe reconhecimento na rua pelos gols e pela campanha do time. Não dá nem atenção a notícias publicadas em jornais locais de que poderia ser convidado a se naturalizar e defender a seleção do país.
Ele afirma não ter planos e está aberto a qualquer possibilidade.
Para quem sonhava ir jogar basquete nos Estados Unidos, estar na China mostra a disposição a mudar de ideia, se preciso.
O que ele leva a sério mesmo é sua coleção de tênis da marca Jordan. Três dias antes de falar com a reportagem, ele saiu com o seu tradutor particular para comprar um par. Voltou para casa com mais de 50. Antes disso, havia feito outra compra de 85 modelos.
"Não tenho a menor ideia de quantos tenho. Quando vou ao Brasil, levo no mínimo três malas só com tênis. Meu antigo quarto na casa da minha mãe virou closet só para guardá-los", explica.
Quando volta a Tietê, ele não faz como os outros boleiros do país que atuam no exterior e passam as férias entre um amistoso e outro de fuebol com os amigos. Markão só joga basquete. Algo que não pode fazer em Wuhan.
"As pessoas aqui são gratas pelo que estamos fazendo. Muitos acompanham de perto porque antes a cidade era falada apenas por causa da pandemia."
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