OSASCO, SP (FOLHAPRESS) - São nas constantes e às vezes longas viagens de avião que Darlan Romani, 31, mais pensa na vida. Gosta de olhar pela janela porque, acredita, é o momento em que tem a perspectiva real das coisas.
"Cara, você está ali voando por cima das nuvens...", divaga.
Ele imagina o tamanho do mundo e quantas pessoas há nele. Isso serve para colocar as coisas em perspectiva.
"Eu fico olhando e falo: eu era o quarto do mundo. Olha o tamanho disso! A gente não tem dimensão às vezes do que representa um resultado assim. Não estou satisfeito. Quero ir mais para frente e chegar à medalha sempre. Mas gosto de pensar essas coisas porque as pessoas que apontam o dedo são as mesmas que não param para observar um detalhe assim", afirma.
Em março deste ano, Romani foi campeão do mundo indoor do arremesso de peso. Fez a marca de 22,53 m. Na Rio-2016, ele havia ficado em quinto. No ano passado, na Tóquio-2020, terminou em quarto.
Os 22,53 que arremessou em Belgardo lhe dariam ouro no Rio e é a mesma marca do Mundial de 2019, quando ficou de novo em quarto.
"Tudo é uma questão da circunstância. Do momento", completa.
Ao presenciar a vitória do brasileiro na Sérvia, o norte-americano Ryan Crouse, bicampeão olímpico, foi às redes sociais dar os parabéns ao ganhador e ressaltar que "a maioria das pessoas não percebe o quanto este cara tem trabalhado".
"Essa é a parte legal, né?", constata Romani.
Quase tão bacana quanto a sensação que tem quando pais lhe dizem ter um filho ou filha que deseja praticar esporte por sua causa. Incluir crianças no esporte tem sido uma missão social do atleta desde que ele e a mulher Sara passaram por uma praça em Bragança Paulista (interior de São Paulo), onde vivem, e decidiram usar aquele espaço para oferecer a crianças a chance de iniciar no atletismo.
Ele levou o projeto a escolas da região e, em parceria com o Sesc (Serviço Social do Comércio), a outras cidades do estado. Na última sexta-feira (23), esteve em Osasco, na grande São Paulo, para o programa Atletismo na Rua. Saiu cedo de casa, colocou todos os equipamentos em uma van e dirigiu os 120 km que separam as duas cidades.
Passou o dia acompanhando as atividades ao lado da filha Alice, 7. Ela é quem testa todos os aparelhos porque não consegue ficar parada um segundo.
"E aí, filha? Ficou bom?", pergunta Darlan.
Se ela sinaliza que sim, então está tudo certo. Logo depois, cochicha no ouvido do pai se ele pode comprar patins novos. Ela promete que vai usá-los. Isso quando não estiver nas aulas de equitação.
Romani lembra que, por causa do esporte e pela busca por medalhas, já perdeu vários eventos familiares. Quando venceu o Mundial, foi para Alice e Sara que dedicou a conquista. É a esposa quem leva adiante os projetos sociais do casal, porque ele precisa treinar. Em 2023, sua prioridade será um novo Mundial, mas o sonho máximo está nos Jogos de Paris, em 2024. Por causa da pandemia, que adiou as Olimpíadas de Tóquio para 2021, será o menor ciclo olímpico da história.
"Para mim, a responsabilidade aumentou porque quero mais. Eu me cobro muito. Querendo ou não, já abri mão de muita coisa, passei aniversário da minha filha longe. Já perdi não sei quantos aniversários de casamento...", relembra.
Após o quarto lugar em Tóquio, viralizou nas redes sociais um vídeo de Romani treinando em um terreno próximo a sua casa, em condições precárias. Aquilo foi usado como exemplo das dificuldades dos atletas olímpicos brasileiros e dos sacrifícios que fazem. Uma vaquinha foi iniciada para ajudá-lo.
Ele reconhece que o episódio passou uma imagem errada. Por causa da pandemia e por tudo estar fechado, ele praticava como era possível. Seu treinador, Justo Navarro, estava em Cuba e não conseguia embarcar para o Brasil. O vídeo não foi vitimismo. Foi demonstração de que Darlan Romani, apesar de todas as dificuldades, seguia adiante em seu sonho.
"Cada um pensa e fala o que quer, né? Eram as circunstâncias que eu tinha para treinar. [A vaquinha] foi uma coisa que a população fez, não eu. Disse para a Sara que não queria. Mas ela me falou que as pessoas queriam participar do meu ciclo e me dar um presente. Eu respondi que se for isso, sim, mas não gosto dessas coisas. Quem conhece minha vida sabe que sou um cara família, que gosta de conversar e a população se identifica com isso", acredita.
Foram arrecadados cerca de R$ 300 mil e boa parte do dinheiro foi usado nos projetos sociais que ele acredita representarem seu futuro no esporte. O casal planejava criar uma fundação, mas assumiram a ABRA (Associação Bragantina de Atletismo). À frente dela, pretendem captar recursos para ampliar o trabalho por meio da Lei de Incentivo ao Esporte.
Entre todos os treinos, resultados e viagens de avião, o que Darlan Romani imagina também é no quanto é recompensador descobrir que crianças e adolescentes que participam das aulas de atletismo são capazes de mudar de comportamento em pouco tempo por causa do esporte.
"Escolas nos dão retorno de alunos que eram problemáticos e passam a sentar nas primeiras fileiras. Para participar do projeto é preciso ter boas notas. A gente pega no pé. Pergunta se arrumou a cama, se arrumou o material... Essas coisas motivam muito a gente."
E nas palestras que dá para os alunos, Darlan lembra que, por causa do esporte, tem conhecido o mundo e viajou para lugares para onde jamais imaginou. O mesmo pode acontecer com aquelas crianças por meio do atletismo. Talvez pela janela do avião, elas também possam pensar nas mesmas coisas que o maior atleta brasileiro do arremesso de peso pensa.
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