PARIS, FRANÇA (UOL/FOLHAPRESS) - Tite testou, variou, analisou questões físicas e não levou Daniel Alves para os amistosos mais recentes da seleção. Mesmo assim, o Brasil deixou as partidas com o indicativo de que há, sim, vida ofensiva sem o experiente lateral-direito.
A opção de levar um zagueiro a mais e lançar Eder Militão como lateral no primeiro foi viabilizada pela faceta tática adotada nos últimos tempos por Tite na seleção. Nas últimas décadas, os laterais da equipe brasileira tornaram-se sinônimo de jogadores ofensivos. Os exemplos mais recentes são Marcelo e o próprio Dani Alves. Na Copa do Mundo do Qatar, a história vai mudar.
Como foi visto nos jogos contra Gana e Tunísia, os laterais atacam menos. Eles são usados para dar mais consistência defensiva. Com a posse de bola, um deles forma uma linha com os zagueiros e outro se junta ao volante (geralmente, Casemiro), em um desenho 3-2-5. Nem por isso o time ficou menos presente no campo rival, ou criou menos chances.
Nos amistosos contra africanos, foram oito gols em dois jogos, uma média de 4 por partida, superior à dos jogos de junho, quando o time marcou seis vezes (5 a 1 contra a Coreia; 1 a 0 contra o Japão) -partidas das quais Daniel Alves participou. Nos dois jogos deste mês, a média de chutes a gol (14,5), chutes certos (9,5) e chances criadas por linhas de passes (13,5) foram semelhantes ou superiores aos mesmos índices em outros momentos durante o ciclo desde 2018.
Desde setembro de 2021, quando Daniel Alves voltou a ser convocado com mais regularidade (após não disputar a Copa América e ser o capitão do ouro olímpico em Tóquio), a seleção brasileira fez 14 jogos. Dani foi titular em cinco e neles a seleção marcou 15 gols ?média de 3 por partida. O sétimo jogo com participação de Dani foi a vitória por 2 a 0 sobre o Peru (o lateral foi a campo com o placar já construído).
Nos oito jogos restantes sem qualquer participação de Dani Alves, o Brasil somou 20 gols (média de 2,5/jogo). Mas há partidas com atuações emblemáticas no ciclo. Duas se destacam: a vitória por 4 a 1 sobre o Uruguai, que marca a guinada em termos de desempenho do Brasil nas Eliminatórias, e os 4 a 0 sobre o Chile no Maracanã, a despedida da torcida brasileira antes da Copa, que Tite considera irretocável.
DE QUEM É O PROTAGONISMO?
Os números dizem o que o treinador e os jogadores também afirmam: a seleção brasileira mudou o jeito de jogar, os laterais já não atuam como pontas quando o time tem bola, mas o time, coletivamente, não perdeu com isso. Só que o cenário afeta o papel individual dos laterais.
Danilo, Alex Telles (ou Alex Sandro) passam longe do protagonismo que o próprio Dani Alves teve com Tite na Copa América 2019, mesmo em uma função mais construtora do jogo. O lateral jogou tão bem que foi eleito o melhor jogador do torneio. Daniel ainda tem a seu favor, em qualquer discussão, o papel de liderança no grupo e a qualidade técnica.
Naquela competição, o Brasil ainda não tinha Neymar, o que afeta o eixo de articulação do time. Dani Alves "carimbava" todas as bolas na saída de jogo do Brasil. Os pontas eram Cebolinha e Gabriel Jesus, jogadores de velocidade e "agudos". Mas eles têm características diferentes na hora de construir o jogo, na comparação com Paquetá (ou Vini Jr) e Raphinha, atuais ocupantes das pontas da seleção.
POR QUE OS LATERAIS DA SELEÇÃO NÃO VÃO À LINHA DE FUNDO
A mudança no papel dos laterais da seleção passa por uma tendência moderna de função deles ?vide os times dirigidos por Guardiola?, mas, no caso da seleção, pelo talento exibido pelos pontas atuais do Brasil. Dribladores e velozes, eles são os "donos" dos corredores. Quando Paquetá joga aberto, a característica muda, mas mesmo assim há construção e volume de jogo que justifica a "reserva" para quem está escalado no ataque. Para os laterais, resta o trabalho mais centralizado.
"A gente trabalhou isso. O professor [Tite] nós dá essa confiança, a nossa formação de jogar com três na saída de bola dá essa consistência na parte ofensiva e a gente fica muito feliz de ter feito isso com muito êxito", disse o lateral-esquerdo Alex Telles, após a goleada diante dos tunisianos.
Para Danilo, reserva contra Gana e titular contra a Tunísia, os jogadores de ataque têm recuperado a bola mais perto do gol, o que dá mais equilíbrio ao sistema defensivo. "Acho que a defesa tem muito mérito, mas o trabalho que o pessoal da frente vem fazendo é impressionante. O ataque pressionando logo depois de perder a bola nos deixa muito confortável, porque nos faz defender correndo pra frente, o que é sempre melhor", avaliou.
Com base nos treinos, declarações da comissão técnica, convocações recentes e na forma atual dos jogadores, Danilo sai na frente por uma vaga no time titular. Aos 39 anos, Dani Alves corre o risco de ficar fora da Copa do Mundo. Ele está em má fase técnica pelo Pumas, do México, e tem jogado como meio-campista (o que em certo ponto "ajuda" na adaptação à função de construtor). Além disso, o momento físico foi a justificativa apresentada pela comissão técnica para não chamá-lo agora.
Isso tem impacto defensivo na seleção. Dependendo do balanço do time, os laterais precisam de vitalidade para acompanhar os pontas adversários. Danilo está mais acostumado a isso, já que às vezes joga de zagueiro na Juventus. Militão, então, nem se fala.
As boas apresentações dos dois contra Gana e Tunísia, além da possibilidade de usar Ibañez e até mesmo Fabinho no setor, aparecem como um caminho caso a comissão técnica queira convocar apenas três laterais de ofício, dois pela esquerda e um pela direita, improvisando um quarto nome para a função. Em Le Havre, na primeira entrevista como jogador da seleção brasileira, Ibañez disse que poderia jogar como lateral, desde que em uma função mais defensiva.
"Eu cheguei a fazer alguns jogos na Roma como lateral, tanto na esquerda quanto na direita. Só que é lógico que sou diferente do lateral ofensivo. Se o treinador necessitar dessa parte eu acho que vou me sair bem ali, tranquilo", disse o jogador da Roma.
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