SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em abril de 1923, um transatlântico partiu dos estaleiros da William Beardmore & Co em Dalmuir, perto de Glasgow, na Escócia, para a primeira de uma série de viagens que o colocariam em cenários históricos.
Era um navio luxuoso, decorado e mobiliado por artistas e artesãos italianos, batizado de Conde Verde, em homenagem a Amadeus 6º, um conde de Saboia do século 14.
Concebido para viajar da Europa para a América do Sul ou para a Ásia, fez em 1930 a viagem que o tornou internacionalmente conhecido, rumo ao Uruguai, sede da primeira Copa do Mundo da história.
Ao longo do trajeto que se iniciou em Gênova, na Itália, onde a delegação da Romênia embarcou, mais três seleções subiram a bordo. Primeiro, em Vilafranca de Mar, os jogadores franceses e o então presidente da Fifa, Jules Rimet -carregando a taça na mala-, juntaram-se aos viajantes. Os belgas pegaram o navio em Barcelona. Antes de aportar em Montevidéu, a embarcação passou pelo Rio de Janeiro para buscar a seleção brasileira.
Com o boicote das principais seleções da Europa na época, apenas mais uma equipe do continente estaria no Uruguai, a antiga Iugoslávia. Como demoraram a confirmar sua participação, no entanto, os iugoslavos tiveram de pegar outro navio, numa época em que o conceito de viagens aéreas ainda era novo.
Em 4 de julho, depois de 15 dias de viagem e apenas nove dias antes da abertura do Mundial, os viajantes do Conde Verde desembarcaram em Montevidéu.
"Nós realmente não percebemos a enormidade de por que estávamos indo para o Uruguai. Só anos depois foi que apreciamos nosso lugar na história. Foi só aventura. Nós éramos jovens se divertindo. A viagem no Conde Verde durou 15 dias. Foram dias muito felizes", disse ao site da Fifa o meia francês Lucien Laurent, que, além de fazer parte da viagem, também ficaria marcado por fazer o primeiro gol da história das Copas.
Naquela época, ainda não era uma tradição a seleção anfitriã disputar o jogo de abertura. Em 13 de julho, os duelos França x México e Estados Unidos x Bélgica deram início à disputa simultaneamente.
No estádio Parque Central, os americanos abriram o placar da vitória por 3 a 0 aos 23 minutos do primeiro tempo. Quatro minutos antes, mas no estádio Pocitos, Lucien Laurent já havia balançado a rede. Aos 19 da etapa inicial, ele abriu o caminho para a goleada francesa por 4 a 1 sobre os mexicanos.
"Quando marquei o meu gol, que foi o primeiro do torneio e meu primeiro pela França, nós nos parabenizamos, mas sem pular um sobre o outro como fazem agora", lembra o meio-campista.
Não só os jogadores foram contidos na comemoração. Os próprios franceses levaram décadas para dar a Laurent o devido reconhecimento pelo feito.
O meio-campista só começou a ganhar maior prestígio a partir de 1990, quando os organizadores da Copa na Itália o convidaram para um jantar de gala. Antes disso, nem mesmo o filho dele sabia da importância de seu pai para o futebol.
"Eu sabia que ele tinha jogado pela França e participado da Copa do Mundo, mas foi isso", disse ao site da Fifa Marc Laurent, filho com quem o jogador passou seus últimos anos, até morrer em 2005, aos 97 anos.
Em 1998, quando o Mundial foi disputado em solo francês, o meio-campista, enfim, experimentou o prazer de ser tratado como um ídolo nacional. Só então ele passou a relembrar a histórica viagem de navio.
"A federação francesa teve um trabalho para reunir uma equipe porque vários dos jogadores selecionados tiveram que desistir", explicou Laurent. "Os chefes deles não os deixavam tirar dois meses de folga. Eu trabalhava para a Peugeot na época, assim como três de meus companheiros de equipe: meu irmão Jean, Andre Maschinot e Etienne Mattler."
A França não passou da primeira fase naquela edição. Em três duelos, venceu somente na estreia. Depois, perdeu para Argentina e Chile -os argentinos avançaram até a final e foram derrotados pelos donos da casa.
Derrotados, os europeus encararam novamente uma longa viagem transatlântica a bordo do Conde Verde. O navio retornaria à América do Sul dezenas de vezes até a década de 1940.
Quando a Itália entrou oficialmente na Segunda Guerra Mundial, o navio foi levado a Xangai, para onde fugiam judeus perseguidos pelos nazistas.
Depois, quando as forças japonesas tomaram a cidade chinesa, os tripulantes decidiram afundar o navio para que ele não fosse incorporado pela marinha japonesa.
Os japoneses, porém, conseguiram recuperar a embarcação, rebatizada de Kotobuki Maru. A carreira do transatlântico se estendeu até dezembro de 1944, quando foi novamente afundado, desta vez alvejado por bombas das forças americanas.
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