RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A seleção brasileira estreia na Copa do Mundo em 24 de novembro, 25 dias após a realização do segundo turno das eleições gerais no Brasil. O técnico Tite, 61, porém, preocupa-se em separar o futebol da política. Para ele, o esporte é um agente educativo, além de patrimônio cultural, não a solução dos problemas do país.
"O futebol não pode carregar a solução do prazer, da satisfação. Ele não bota comida na boca de ninguém, nem emprego na boca de ninguém, nem educação na boca de ninguém", afirma o treinador à Folha de S.Paulo.
Em entrevista na sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), no Rio, o comandante que sonha em dar ao Brasil o seu sexto título mundial diz que "não tem como não ficar ligado" nas principais questões sociais do Brasil, mas prioriza seu trabalho. "Nossa prioridade é a seleção."
No Qatar, Tite também vai encontrar um cenário que o desagrada. Por disputar o torneio em um país com histórico de violação dos direitos humanos, inclusive durante a construção dos estádios da Copa, ele diz que não estará na "plenitude de sua satisfação".
Já em relação à seleção brasileira, ele acredita que a equipe chegará ao torneio mais bem-preparada do que no último Mundial, na Rússia, em 2018, quando o time foi eliminado nas quartas de final pela Bélgica. "Temos mais opções."
PERGUNTA - Há quanto tempo você tem a lista de jogadores que levará para o Qatar?
TÉCNICO TITE - Ela [a lista] é recente porque é construída a cada jogo, a cada treino. Ela é construída a cada performance do atleta no seu clube, a cada acompanhamento nosso em tempo integral do atleta no jogo, e não assistindo aos melhores momentos.
P.- Mas quando você chegou ao mais próximo dessa lista final?
TT- Quando terminou esses dois jogos. Agora, ela fica à mercê desse produto final.
P.- Quantas dúvidas ainda restam para fechar o elenco?
TT- Seis, sete disputas [estão abertas].
P.- Como você lida com a pressão por determinadas convocações?
TT- Primeiro, com respeito, desde que seja respeitosa. Segundo, olhar e fazer o nosso julgamento. Senão, não vou conseguir.
P.- Consegue ficar alheio às cobranças mais fortes?
TT- Não, mas dá para filtrar. Deixar os ruídos do lado de fora é normal. É a função de vocês [da imprensa] elogiar ou criticar. É a função do cronista, do comentarista e do jornalista. Eu tenho que entender isso. Se eu falo dos processos do técnico, o técnico tem que entender os processos do jornalista. Então, vocês não vão emitir opinião? Que jornalismo é esse? Agora, há diferenças básicas: a opinião, e aí ela é de qualificação, baseada em informações verdadeiras, essa é uma opinião. E tem a opinião rasa. O que me deixa muito chateado é quando ela é com má-informação.
P.- Qual a diferença prática no trabalho de um técnico que consegue ficar tanto tempo na seleção, como é o seu caso?
TT- Relações pessoais de confiança com o grupo todo. Eles já sabem como o técnico reage no bom ou no mau, no médio e na exposição. Que tipo de liderança, qual a qualificação profissional da comissão, o nível de conhecimento. Eles [atletas] comparam com os técnicos de alto nível que eles têm. É inevitável, é humano.
P.- O que foi determinante para você conseguir esse tempo na seleção?
TT- Primeiro, o meu histórico todo, o meu histórico passado de construtor de equipe. Segundo, os resultados dentro da seleção, que batem todos os recordes de qualquer técnico ao longo das trajetórias deles. Nas Eliminatórias, batemos todos os recordes de gols feitos, gols tomados, saldo de gols, número de vitórias, vitórias em casa. Temos 13 gols a mais que a Argentina, em número de gols feitos.
P.- A quantos jogos de Sérvia, Suíça e Camarões, rivais do Brasil no Qatar, você já assistiu?
TT- Integralmente, não. Melhores momentos, sim, e o relato deles [dos membros da comissão]. Continuo aprofundando o nosso modelo e os atletas. Um jogo eu vi separadamente, mas não com a devida profundidade que darei a partir de agora.
P.- Quantas vezes reviu o jogo com a Bélgica?
TT- Depois da Copa, eu devo ter revisto umas cinco vezes. Depois eu pego, levanto e digo: chega.
P.- Em suas análises, identificou o momento ou o fator que considera determinante para aquela derrota?
TT- Não.
P.- E no conjunto do jogo, quais os fatores que você faria diferente hoje?
TT- Não [faria diferente] porque eu não tinha conhecimento e, para mim, quem ganhou foi a Bélgica, pela grande qualidade que ela tem. Não fiz diferente porque eu não tinha ou conhecimento ou maturidade para fazer diferente. Foi nosso melhor jogo na Copa em termos de desempenho para mim. Jogamos contra a melhor equipe da Copa e finalizamos 20 vezes, sendo 11 no gol. O De Bruyne falou assim: o Brasil jogou melhor, mas nós fomos efetivos.
P.- O Brasil chegará no Qatar mais favorito do que chegou na Rússia?
TT- Boa pergunta. [Temos mais opções de] nomes e jogo. Aquilo que aconteceu, machucando o Dani [Alves], machucando, principalmente, o Renato [Augusto] em 2018, hoje a gente tem modelos diferentes, ajustes diferentes, preparo de atletas diferentes. Essa é uma diferença significativa.
P.- Acredita que esta será a última Copa do Neymar, como ele mesmo já disse?
TT- Respeito muito a opinião do Neymar e veementemente discordo. Ele vai jogar outra Copa, eu afirmo que ele vai jogar. Eu tenho dúvida se ele joga uma segunda, mas eu afirmo que ele vai jogar [outra depois do Qatar].
P.- A saúde mental dos atletas é uma preocupação da comissão técnica da seleção?
TT- Não diretamente com a CBF, mas ela tem. Só por uma questão nossa, intimista, ela é pessoal comigo, ela é de comissão técnica. Inclusive, os próprios atletas sabem, porque eu disse numa palestra de temas comportamentais que eu tenho uma profissional que orienta para que a gente possa nos direcionar, mas que vocês tenham essa capacidade de saber que é importante.
P.- Quando tomou a decisão de que não vai seguir na seleção após a Copa?
TT- Um ano e meio, dois anos atrás. Eu chamei a comissão técnica toda e coloquei a eles. Depois de encerrar o ciclo, novas lideranças têm que surgir e um novo processo tem que acontecer. É assim que se oxigena, que revigora e evolui. Eu, em termos de maturidade, terei a grande oportunidade de fazer um ciclo inteiro na seleção brasileira, que é extraordinário.
P.- A busca por esses novos objetivos tem a ver também com um cansaço seu em relação à rotina na CBF? Você cansou de trabalhar na CBF?
TT- Não. Se fosse só por vontade própria eu teria continuado. Mas é o contexto todo. São etapas e a maturidade.
P.- Quando houve o escândalo envolvendo o ex-presidente da CBF, Rogério Caboclo, acusado de assédio sexual e moral, alguns veículos noticiaram que você cogitou deixar a seleção brasileira e se afastar do que estava acontecendo. Isso ocorreu?
TT- Cogitação mentirosa.
P.- Em nenhum momento passou pela sua cabeça deixar a seleção?
TT- Cogitação mentirosa, com ponto de exclamação. Não teve nenhuma conversa paralela. Teve [conversa] logo depois da Bélgica e, assim, eu pensei 950 mil vezes.
P.- Depois da seleção, o objetivo é trabalhar na Europa?
TT- Claro que eu penso "pô, como vai ser o meu futuro?". Mas, se tu quer saber alguma coisa, eu estou nem aí para o que vier depois. Eu quero é a seleção. Isso me fascina. É o maior orgulho que um profissional pode ter. Depois vai ser um percurso. O que eu não vou é trabalhar no Brasil no ano depois da Copa.
P.- Se voltar a trabalhar no Brasil logo após a Copa, acredita que pode perder a força do impulso que a seleção pode dar? Isso pesou na sua decisão?
TT- [A decisão] passa por uma uma palavra da minha esposa de dizer assim, ó: o que eles fazem com os técnicos brasileiros não existe. Eu não quero que tu treine no Brasil um ano depois que tu sair da Copa. Essa exposição, de cortar carne o tempo todo, é desumana.
P.- Você está estudando idiomas? Tem em mente trabalhar em um país em que se sinta confortável com a língua? Sabe por que eu não estudo agora e eu teria até vontade?
TT- É que isso gera especulação para um país que eu possa ir. Se eu for estudar agora, também vou ficar projetando. Como eu não quero, eu isolo as variáveis. Agora, se você fala Itália, o italiano eu sei, vou compreender. O espanhol também entendo.
P.- Então, faltaria o inglês?
TT- É [risos]. Sim.
P.- Qual sua opinião sobre técnicos estrangeiros na seleção?
TT- Prefiro os brasileiros e respeito os estrangeiros.
P.- Por ser uma Copa depois de uma eleição que tem dividido o país, você acredita que o torneio pode unir os brasileiros?
TT- O futebol e o esporte unem-se por si só. Não vejo esses outros... Essas situações paralelas, importantes, mas paralelas, mas cada um carrega suas responsabilidades. Responsabilidades sociais são suas e o futebol não pode carregar a solução do prazer, da satisfação. Ele não bota comida na boca de ninguém, nem emprego na boca de ninguém, nem educação na boca de ninguém. Ele é um agente educativo esportivo, patrimônio cultural e ele deve seguir dessa forma.
P.- Qual sua opinião sobre a realização da Copa no Qatar, um país com longo histórico de violação de direitos humanos?
TT- Procuro igualdade social e justiça em qualquer que seja o país. Em termos legais, gostaria que tivesse cada vez mais dois aspectos: educação e punição. Quaisquer que sejam os fatores preconceituosos ou, no caso, de mão de obra de exploração. Justiça.
P.- O incomoda disputar uma Copa em um país com esse histórico?
TT- Ela [Copa no Qatar] não me deixa na plenitude da minha satisfação. Gostaria que fosse em um país que não tivesse esses problemas? Sim, gostaria que fosse sem esses problemas.
P.- Você consegue separar o momento de preparação para uma Copa do Mundo com o fato de todos os dias abrir os jornais e tomar consciência dos problemas do país? De que forma isso o afeta?
TT- Não tem como não ficar ligado, porque nós somos seres humanos, mas tem a possibilidade de priorizar. Isso é uma escolha. A nossa prioridade é a seleção brasileira, mas que está associado a esses fatores, inevitavelmente, sim, como ser humano.
P.- Tem um acordo entre os jogadores da seleção brasileira para não se manifestarem sobre política enquanto estiverem a serviço da seleção?
TT- Nunca teve determinação, nem por parte da direção para a comissão técnica, nem por parte da comissão técnica com os atletas. Absolutamente não.
P.- Alguns veículos noticiaram que Neymar teria quebrado esse suposto acordo manifestando apoio ao candidato à reeleição, Jair Bolsonaro. O acordo, então, não existe?
TT- Não existe. Nós vivemos o país democrático. Ou senão a gente fica sem democracia, só quando concorda comigo.
P.- Você se incomoda com a imagem de antibolsonarista que tem sido disseminada a seu respeito?
TT- As pessoas que pensam isso que carreguem com elas, porque essa batalha eu não vou carregar, isso é um problema delas. O meu é a minha paz de espírito.
P.- No segundo turno das eleições presidenciais, em quem vai votar?
TT- Eu vou votar de forma secreta e tenho bem claras as minhas ideias. Vou fazer em termos pessoais e particularmente.
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