SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em maio de 1960, enquanto se preparava para receber a Copa do Mundo em 1962, o Chile foi abalado com o maior terremoto já registrado na história, de 9,5 graus na escala internacional. Estima-se que tenha havido mais de 5.000 mortes e que 25% da população tenha ficado desabrigada.

Das oito cidades escolhidas para receber partidas da competição, quatro (Talca, Concepción, Talcahuano e Valdívia) foram tão severamente afetadas que tiveram de sair da lista.

Houve muita discussão sobre a capacidade do país de receber o Mundial, além de debates sobre a insistência na ideia de sediar o torneio em meio à tragédia nacional. Foi quando o presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol, o brasileiro naturalizado chileno Carlos Dittborn, pronunciou a frase que acabaria se tornando o slogan não oficial da competição: "Porque nada temos, faremos tudo".

Foi nesse cenário que o Brasil ganhou o seu segundo título mundial, liderado por Garrincha, Didi, Zagallo e Vavá. E foi também o Chile palco do único gol olímpico marcado em uma Copa do Mundo, na partida entre Colômbia e União Soviética, apitada pelo brasileiro descendente de húngaros João Etzel Filho.

Era um domingo, 3 de junho, quando o estádio de Arica, uma das quatro cidades que reuniram capacidade de sediar a competição, ao lado de Santiago, Rancagua e Viña del Mar, recebeu o jogo válido pela segunda rodada.

Os soviéticos eram favoritos. Os colombianos debutavam em um Mundial e, na estreia, haviam sido derrotados pelo Uruguai. Além disso, a União Soviética contava com o lendário Lev Yashin, amplamente considerado o melhor goleiro do mundo na época.

Do lado da seleção sul-americana, o principal nome estava no banco de reservas. O time era dirigido pelo argentino Adolfo Pedernera, um dos ícones da histórico time do River Plate dos anos 40.

Diante da diferença técnica dos elencos, a Colômbia acabaria encurralada no primeiro tempo. Com apenas 11 minutos, já perdia por 3 a 0. Dois gols foram marcados por Ivanov; um, por Chislenko. Acero chegou a diminuir antes do intervalo, mas Ponedelnik fez o quarto dos soviéticos no começo da segunda etapa para frear, ao menos momentaneamente, a animação do adversário.

Àquela altura, era difícil vislumbrar uma reação dos colombianos. Mas na metade da segunda etapa isso começou a mudar. Aos 23 minutos, o time obteve um escanteio. O meia Marcos Coll se apresentou para a cobrança. Ele não imaginava, mas estava prestes a deixar seu nome marcado na história do futebol.

As imagens da época não são muito nítidas, mas vídeos no site da Fifa mostram como foi o chute. Ele fez a cobrança de maneira fechada. A bola quicou na pequena área e passou entre um zagueiro e a trave direita de Yashin. Gol olímpico -tentos desse tipo são assim chamados desde que o argentino Onzari marcou dessa maneira em vitória de sua seleção sobre o Uruguai, campeão olímpico e até hoje conhecido como a Celeste Olímpica, em amistoso de 1924.

Enquanto Coll era abraçado por seus companheiros, Yashin esbravejava com os marcadores soviéticos.

Até hoje, ninguém conseguiu repetir o feito em um Mundial. "Para mim, foi uma alegria que Deus tenha me dado este gol. Já passaram 50 anos, e nenhum outro jogador conseguiu repetir. Certamente, o gol olímpico me imortalizou", declarou o colombiano ao jornal El Espectador, em 2012.

Na Colômbia, Coll virou um ídolo nacional. Em 2017, quando ele morreu vítima de problemas respiratórios, o então presidente do país, Juan Manuel Santos Calderón, descreveu-o como "a glória do futebol".

A raridade do feito se deve à aparente impossibilidade de o jogador acertar esse tipo de chute, já que está na mesma linha das traves ao bater o escanteio. Portanto, ele não tem como ver claramente o alvo.

Para que a bola tome a direção do gol, é preciso que gire lateralmente e ganhe o efeito Magnus, batizado dessa forma em homenagem ao físico alemão Heinrich Gustav Magnus. Ele foi o primeiro a descrever como a rotação de um objeto altera sua trajetória.

"Por causa da força provocada pelo efeito Magnus, a bola vai se desviar de uma trajetória regular, aquela influenciada apenas pela resistência do ar e pela força gravitacional. A orientação desse desvio depende de como a bola está girando. Assim, a bola faz um caminho desviando de coisas que estavam em sua frente", explica o professor Otaviano Helene, do Departamento de Física da USP (Universidade de São Paulo), especialista em física dos esportes.

O gol também surpreendeu a União Soviética de tal forma que o time apagou. Quatro minutos após Coll ter balançado a rede, Rada fez o terceiro. A quatro minutos do fim da partida, Klinger empatou.

Desnorteados, os favoritos não sabiam como explicar como haviam deixado a vitória escapar. Mas uma resposta surpreendente para isso surgiria décadas depois. O juiz brasileiro João Etzel Filho disse ter favorecido deliberadamente os colombianos naquela partida.

Em entrevista publicada na edição especial especial da Placar que celebrava "100 Anos De Futebol No Brasil", de 1994, o árbitro afirmou: "Eu empatei aquela partida".

Para ele, era como uma vingança. Descendente de húngaros, Etzel Filho vira um levante no país de seus pais contra o domínio soviético ser massacrado.

Não há registro de lances cruciais questionados, mas o juiz tinha uma reputação que torna a possibilidade plausível. Em 1988, quando morreu em decorrência de um infarto, aos 73 anos, o relato da Placar citava justamente "a fama dele de fabricar resultados".

O jornalista esportivo Silvio Lancellotti (1944-2022) costumava chamá-lo de "monarca dos empates".

Na Copa do Mundo de 1962, o único jogo que ele apitou foi justamente aquele 4 a 4 entre a Colômbia e a União Soviética.

Foi o ponto solitário dos colombianos, eliminados na primeira fase, com despedida em derrota por 5 a 0 para a Iugoslávia. Os soviéticos avançaram e caíram nas quartas de final, 2 a 1 para o anfitrião Chile.


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