SÃO PAULO, SP (UOL-FOLHAPRESS) - Não faltou paciência. Convocado para a Copa do Mundo de 1954, ele não jogou. Em 1958 foi até campeão, mas também não entrou em campo. Naquela época não tinha essa história de substituição tática, então o banco de reservas era uma sentença. Até que chegou 1962 e ele decidiu não esperar mais.
"Se for para ser reserva, quero minha passagem e vou voltar para o Brasil", teria dito Mauro Ramos de Oliveira, zagueiro que não só conquistou sua vaga de titular, como acabou eternizado como capitão do bicampeonato mundial da seleção brasileira na Copa do Chile e agora é personagem da série de reportagens que conta histórias de vida inéditas e curiosas dos cinco capitães campeões mundiais pelo Brasil.
Já a frase vem direto da memória de seu filho Mauro Júnior: "Era assim que ele contava para a gente."
Existem duas versões sobre a titularidade e a escolha de Mauro como capitão em 1962, mas as duas partem do mesmo ponto: o titular da zaga e capitão era para ser Hilderaldo Luís Bellini, exatamente como havia acontecido quatro anos antes.
Não havia razão para mudar e até Mauro de certa forma aceitava a situação. Só que, durante a preparação, o titular se machucou e Mauro foi o substituto em três jogos. O Brasil venceu todos, e então zagueiro do Santos teve certeza de que teria sua chance na Copa, o que não aconteceu. O técnico Aymoré Moreira anunciou que o titular iria mesmo ser Bellini, o favorito de público e imprensa.
"Ele dizia que chamou o Aymoré para uma conversa pessoal e falou bem assim: 'olha, eu tenho jogado todos os amistosos bem, sou titular, não joguei em 54 e 58, dessa vez estou preparado e é minha última Copa. Não acho justo o senhor me colocar na reserva'. Personalidade forte, né? Aí ele terminou assim: 'se for para ficar na reserva, quero minha passagem e vou voltar para o Brasil'. Isso é a cara dele (risos)", lembra o filho do capitão.
Depois de peitar a comissão técnica e ameaçar abandonar a concentração no Chile se não fosse o titular, Mauro ganhou não só a vaga, como também a braçadeira de capitão, recorda Mauro Júnior: "Falaram para ele naquele tom solene: 'era justamente isso que esperávamos. Foi um teste para saber se você estava preparado para ser capitão. Parabéns'. E assim foi (risos)"
O zagueiro do Santos atuou os seis jogos do Mundial ao lado de Zózimo. O Brasil tomou cinco gols na campanha, fez 14 e foi campeão. Como chamou a CBF, com seu "capitão que soube esperar".
A outra versão dá conta que Mauro e Bellini tiveram um papo amistoso antes da Copa e decidiram entre eles que era a vez de Mauro ser titular. Daí, só informaram ao técnico Aymoré Moreira, o que contraria a versão de que Mauro se escalou no grito. Mas essa versão não tem graça.
Por que Mauro tinha o apelido de Martha Rocha
Martha Rocha foi um dos maiores símbolos brasileiros de beleza, eleita a primeira Miss Brasil no ano de 1954. Ídolo das torcidas de São Paulo e Santos, Mauro Ramos de Oliveira ganhou o apelido de Martha Rocha durante a carreira. A razão quem esclarece é Marcelo Fernandes, membro da Assophis (Associação dos Pesquisadores e Historiadores do Santos):
"O que explica é a elegância que ele tinha dentro e fora de campo. O Mengálvio me disse que tinha até vergonha de falar palavrão perto dele, era um gentleman."
Essa tal elegância é de infância. Os pais de Mauro não queriam que ele fosse jogador de futebol. Imaginavam o filho na diplomacia, na política ou na advocacia. Então, quando ele saía de casa para jogar bola tinha grande preocupação em não sujar o uniforme. Daí veio o estilo clássico em campo, contrastante com a força bruta de Bellini. É outra lenda, mas essa Maurinho não confirma.
"Que meus avós não queriam é fato. Ele sempre ia jogar escondido e tomou muita vara de marmelo por isso. Queriam que ele estudasse, mas o talento levou ele para o São Paulo, com 17 anos, levou a ser campeão sul-americano pela seleção brasileira, aos 19. Mas não tinha como não se sujar nessa época, isso é papo (risos). Agora como profissional era isso mesmo, a camisa branca do São Paulo e do Santos terminava branca."
A fama de elegante rendeu contratos de publicidade para o zagueiro com uma famosa loja de roupas masculinas chamada Ducal.
Em campo, foram 492 jogos pelo São Paulo e 352 pelo Santos. Sempre de camisa branca.
"Em campo, ele era de uma elegância a toda prova, em uma posição em que os jogadores se notabilizavam pelos chutões e caneladas. Atuava limpo, tirava a bola sem tocar no adversário, era imbatível nas bolas altas e não ficou registro de um único jogo que tenha perdido a cabeça", assim definiu o jornalista Luís Nassif.
AMIZADE COM BELLINI E A FUGA DO FUTEBOL
Os capitães campeões mundiais de 1958 e 1962 viraram amigos próximos depois de levantar a taça Jules Rimet. Eles moraram em São Paulo boa parte da vida, em bairros próximos. Aposentados, almoçavam juntos às segundas-feiras e frequentavam até a sauna. Uma relação de amizade que as famílias definem como bonita. "Eram irmãos de alma", conta Giselda, viúva de Bellini.
Mais velho, Mauro decidiu voltar para sua cidade natal, Poços de Caldas-MG. Uma vez por mês ia para São Paulo jantar com Bellini.
Mas teve uma coisa que diferenciou a dupla de capitães na velhice: Bellini era muito midiático, adorava dar entrevistas e aparecer em comerciais. Já Mauro se distanciou do futebol sem negociação. O filho nega mágoa.
"Ele quis virar a página do futebol, curtir a vida dele. Antes ia ao cinema e entrava com o filme andando para não ser tietado, não ia ao restaurante com tranquilidade. Era o preço da fama. Depois de muitos anos recluso, vivendo para a família, ele conseguiu fazer tudo isso e adorou. Ele ficou viúvo muito cedo, em 1983, e não quis mais saber de casar. Dizia que ia e voltava na hora que queria."
Mauro teve três filhos, Maurinho (64), Sylvia (62) e Marcos (52). Ele conheceu dois netos, Marina e Maurinho Neto. Tem mais três, mas sem convívio. É que o capitão do bi morreu em 18 de setembro de 2002, aos 72 anos, por causa de um câncer no estômago. Deixou órfãs as camisas brancas.
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