SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Isabel Salgado, morta nesta quarta-feira (16) aos 62 anos, foi uma voz contrária ao governo de Jair Bolsonaro (PL) e, sobretudo, à alienação política em torno da classe esportiva.

Amiga de Walter Casagrande, colunista da Folha de S.Paulo, desde os tempos da Diretas Já, ela foi provocada pelo ex-jogador de futebol no início da pandemia de Covid-19, em maio de 2020, a unir a classe esportiva em clamor pela democracia.

Isabel e Casagrande choraram ao telefone com a morte de João Pedro, adolescente de 14 anos, negro e baleado dentro de casa durante uma operação policial em São Gonçalo (RJ). Na ocasião, os Estados Unidos estavam tomados por manifestações antirracistas em protesto pelo assassinato de George Floyd.

Isabel, então, ligou para Ana Moser, que, por sua vez, falou com Joanna Maranhão. Em quase um mês, o movimento Esporte pela Democracia já contabilizava 300 assinaturas, em sua maioria de atletas, ex-atletas, dirigentes, artistas e jornalistas.

Os integrantes não foram às ruas em razão do isolamento social na pandemia e assinaram um manifesto em defesa da democracia e do respeito à Constituição, além do combate ao racismo e à desigualdade social.

O texto não citava o nome de Bolsonaro, sob a justificativa do seu caráter apartidário, mas apontava a desolação pelo desprezo à ciência e o colapso do sistema de saúde no país.

Ao explicar os reais objetivos daquela união, Isabel respondia com simplicidade: "Mostrar que somos cidadãos".

Presente nas Olimpíadas de Moscou-1980 e Los Angeles-1984 e campeã no vôlei de praia, Isabel não se conformava com o silêncio dos atletas em relação aos governantes e à desigualdade social. Aos 22 anos e a serviço da seleção, ela ameaçou deixar as quadras se o público, presente no ginásio Ibirapuera em São Paulo, continuasse hostilizando as jogadoras do Japão, em 1982. A torcida obedeceu.

"O próprio Comitê Olímpico Internacional projeta essa neutralidade, não apoia [manifestações]. Acho curioso como o esporte pode estar à margem, é como se não fôssemos cidadãos. E há pessoas que defendem que devemos ficar neutros. Como ficar neutro se você vê uma injustiça? Os atletas muitas vezes batalham tanto, têm uma carreira curta, e, quando têm um patrocinador, pode ser uma empresa estatal ou mais alinhada ao governo, então se retraem", desabafou Isabel à Folha de S.Paulo, em junho de 2020.

"Quando você vê os atletas norte-americanos fazendo os gestos dos Panteras Negras [grupo de combate ao racismo criado na década de 1960 nos Estados Unidos] nas Olimpíadas, a história mostrou que eles estavam certos. Foi importante esse ato de luta contra o racismo em 1968, e em 2020 tem gente com dúvidas. Eventos esportivos foram, e devem ser, lugar de protesto quando injustiças estão acontecendo", completou.

Isabel era mãe de cinco filhos, três que seguiram os seus passos no esporte, Carol, Maria Clara e Pedro, além de Pilar e Alison, adotado em 2015. Ela falava com eles sobre política desde cedo. Em ato das Diretas Já, estava com a filha Pilar no colo.

Ao recordar aquele momento, Isabel pediu um tempo durante a entrevista e respondeu com a voz embargada. "O processo para nos tornarmos uma democracia foi muito duro, eu fiquei emocionada na anistia de ver as pessoas voltando para o Brasil e reencontrando seus familiares", disse.

Quando Carol Solberg entrou para o noticiário após pegar o microfone de Talita, sua parceira no vôlei de praia, e gritar "fora, Bolsonaro" ao canal Sportv, Isabel não escondia o orgulho pela coragem ?assim definiu a atitude da filha.

O ato teve o seu preço. Carol foi levada ao tribunal e advertida pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), sob acusação de ter prejudicado a imagem da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol) e/ou a de seus patrocinadores. O principal deles, desde 1991, é o Banco do Brasil.

"Minha mãe influencia em tudo na minha vida, troco com ela sobre tudo o que acontece. Ao longo da vida, minha mãe sempre instigou a gente a pensar além, a estar atento ao que acontece não só no nosso mundinho", disse Carol Solberg à Folha de S.Paulo. "Claro que a gente fala de vôlei, é o nosso trabalho, mas sempre falou sobre tudo. E política está nesse bolo."

Atual técnico da seleção brasileira de vôlei feminino, José Roberto Guimarães enalteceu o legado de Isabel dentro e fora das quadras.

"Uma mulher super importante, empoderada, e que tinha personalidade forte e opiniões marcantes. Vai fazer muita falta, uma grande perda para a vida brasileira e não só para o esporte", disse o treinador.

"Foi a primeira atleta brasileira que jogou no exterior, performando muito bem. Chegou a jogar até o sétimo mês de gravidez, treinava dessa maneira. E depois [do parto] foi uma das primeiras a voltar, com três, quatro meses e já estava bem, amamentando e em forma."


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