DOHA, QATAR (UOL/FOLHAPRESS) - Centenas de torcedores fizeram fila hoje em Doha para comprar ingressos para a Copa, que começa no próximo domingo, mas as cenas de festa e euforia comuns nas vésperas de outros Mundiais dessa vez não aconteceram. Pelo menos de manhã e à tarde. Sob um calor de cerca de 30 graus, mexicanos, colombianos, argentinos e muitos asiáticos, esperavam pacientemente a abertura dos portões da principal loja de ingressos, perto da orla da capital qatari.

"Está tudo muito bem-organizado, mas o clima de Copa ainda não chegou por aqui", afirmou o mexicano Jacinto Zepeda, de 66 anos, acompanhado de seus dois filhos e amigos. Usando um chapéu do tipo sombreiro e a camiseta verde da seleção de seu país, o torcedor contou que foi a todas as Copas desde México-1986 e que teve uma sensação diferente em seu primeiro dia no Qatar.

"Estamos acostumados àquele clima de camaradagem, de confraternização, que começa uma semana antes da abertura. Você chega e já senta em um bar pra tomar alguma coisa, conversar com gente diferente e fazer festa. Mas aqui, por toda a questão cultural do país, não podemos fazer isso", afirma ele.

A restrição alcoólica tem sido um assunto incômodo para a Fifa, o comitê organizador e os torcedores que vieram a Doha. O regime autocrático do Qatar proíbe a venda de bebida na maior parte do país, licenciando apenas algumas empresas (como hotéis de luxo) a comercializar álcool. Hoje a Fifa anunciou que os torcedores que vão assistir às partidas também não poderão beber, atendendo a uma exigência da família real qatari.

"Na Rússia [em 2018], lembro que foi uma festa enorme", disse Jacinto Zepeda. "O pessoal bebia vodca e já ficava alegre, mesmo sem ter jogo pra ver. Alguns até se passavam e ficavam mal, mas faz parte. Aqui a gente sabia que não teria nada disso. É a cultura deles, tudo bem. Mas talvez eles pudessem pensar mais nos torcedores. Antes organizar uma Copa, o Qatar deveria viver uma."

Nos arredores do centro de venda de ingressos, os arranha-céus impressionam pela opulência, mas o forte calor e a falta de atrações ao livre leva os turistas e os torcedores para o ambiente climatizado do shopping Doha City Centre. O Corniche, uma área decorada e preparada na orla para receber os visitantes, estava deserto entre a manhã e o começo da tarde de hoje, à exceção de alguns trabalhadores. As sextas-feiras são sagradas para os muçulmanos, e no Qatar, um país cuja legislação segue os preceitos da sharia, muitos serviços fecham ou são restritos às sextas.

Na saída das estações de metrô recém-inauguradas, voluntários orientavam o trânsito dos pedestres, evitando que eles se perdessem no meio dos prédios espelhados. O colombiano Camilo Ocana, de 35 anos, estreante em Copas, elogiou a organização qatari, mas creditou à proibição alcoólica a calmaria a dois dias da abertura. "Essa restrição à venda de álcool acaba sim afetando as pessoas, principalmente nós, latinos, que estamos acostumados a ver futebol bebendo, fazendo festa", disse ele, que está em Doha desde o começo da semana. "Mesmo assim, vamos viver essa Copa."

Quando o mexicano Java Lopez chegou para comprar seus ingressos, logo vieram à sua mente as lembranças da Copa da Rússia há quatro anos, à qual ele foi com amigos. "Na Rússia nós fizemos uma festa. As pessoas de diferentes países ficavam no mesmo lugar, cantando suas músicas. Eram todas provocativas, mas era um ambiente muito amigável, nunca deu nenhum problema", disse. "Agora aqui a cidade é muito bonita, mas você vê essa tranquilidade. Quero crer que sejam as questões políticas e religiosas que fazem as pessoas ficarem assim. Com certeza a falta de álcool afeta o clima. O álcool nos deixa mais volúveis, nos solta muito mais, e aqui as coisas estão muito tranquilas."

Também esperando na fila, o contador indiano Akhil Rajeev apontou outro motivo para as ruas pacatas: vivendo sob um regime autocrático, no qual a liberdade é limitada, a população qatari não teria o costume de se reunir em público. "Se a Copa fosse na Índia, todos estariam comemorando na rua, nesse sentido somos parecidos com os brasileiros. Mas aqui não existe essa cultura festiva. As pessoas aqui são mais reclusas", afirmou ele, que mora em Doha com amigos, todos torcedores da seleção brasileira. "Nós não somos autorizados a fazer manifestações, não vivemos em uma democracia. Por isso você não vê muita gente na rua."

Mas quando o sol caiu, a paisagem se modificou em outro conhecido ponto da cidade. No mercado Souq Waqif, centenas de torcedores marroquinos (muitos vestidos com a camiseta do lateral Achraf Hakimi, astro do PSG e da seleção), deram início aos festejos do Mundial e mostraram que os árabes do norte da África talvez se sintam mais à vontade no árabe Qatar.

Enquanto torcedores de outras partes do mundo ainda chegam a Doha, são cidadãos da África e da Ásia os maiores responsáveis por quebrar a calmaria na rotina qatari. Têm sido frequentes as grandes caminhadas de asiáticos que apoiam outras seleções por pontos turísticos de Doha. Já os brasileiros prometem fazer uma grande concentração amanhã na chegada da seleção ao hotel em que o time de Tite ficará hospedado.

A Copa do Qatar começa no próximo domingo com a partida entre Qatar e Equador, às 13h (de Brasília). O Brasil estreia na quinta seguinte, contra a Sérvia.


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