SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em apenas dois dias de Copa do Mundo, torcedores do mundo já alteraram o cenário do Qatar. O temor de um choque de culturas, com turistas do mundo tendo que se submeter à rigidez das leis locais, deu espaço a um clima um tanto mais leve. Para alívio de quem atravessou o mundo para ver o Mundial.

O encontro entre as diferentes realidades ainda é visível nas regiões centrais da capital Doha. Cantos altos de diversas nacionalidades enchem as ruas, causando estranheza de parte dos locais, enquanto outros se divertem.

Roupas de diversos tamanhos aparecem por todos os lugares, embora a maioria ainda siga as recomendações.

As vestimentas foram um dos pontos de tensão relatados por visitantes, já que mulheres devem evitar ombros à mostra e optar por roupas que cubram os joelhos. Nas ruas, porém, aquelas desafiadas pelo calor desértico cedem às regatas, shorts e vestidos curtos.

As irmãs argentinas Flor Santucho, 27, e Augustina Santucho, 29, trouxeram roupas para todos os tipos de restrição, assim poderiam testar para saber o que funcionaria em relação às restrições.

No primeiro dia, respeitaram as orientações rigidamente, cobrindo os ombros e joelhos. Aos poucos, começaram a diminuir o comprimento das peças, até chegarem ao minishorts e à regata, algo incomum até poucos dias atrás para quem vivia ou visitava o país.

Elas não se sentem julgadas. Dizem que todos foram respeitosos e cordiais, e que se surpreenderam com a forma como o Qatar é permissivo.

"Eles nos respeitam, nós nos sentimos muito seguras. É muito tranquilo", diz Augustina.

Para outros turistas, a Copa começou com um susto. A decisão do Comitê Supremo para Entrega e Legado de banir a bebida dentro dos estádios e em seus arredores pegou torcedores de surpresa e aumentou ainda mais a expectativa de encontrar um Qatar fechado.

O empresário Felipe Bandeira, 34, brasileiro que mora em Minnesota, nos Estados Unidos, diz que sabia das principais condições impostas pelo regime, mas, após as primeiras impressões em solo qatariano, considera que houve uma aparente flexibilização.

"Eu esperava que fosse pior. Estou achando até relaxado demais", diz Bandeira. "Eu acho que, depois, vai voltar ao normal aquela restrição toda", acrescenta.

Ao lado de amigos, o empresário visitava Souq Waqif, um mercado a céu aberto com cerca de cem anos que reúne restaurantes, casas de antiguidades e lojas de lembranças. O grupo chamava a atenção com as roupas verde-amarelas.

Para Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais na PUC-SP e especialista em Oriente Médio, esse arrefecimento é calculado. O país, embora pequeno, é poderoso economicamente e tem um regime influente mundialmente.

Por ser uma característica do regime, que é autocrático, o professor afirma que as mudanças não devem perdurar.

Além de ser intolerante com a população LGBTQIA+ e restritiva com mulheres, o país é acusado de ter cometido violações de direitos humanos durante a construção das estruturas da Copa com trabalhadores migrantes.

É ilegal ser homossexual, sendo um crime passível de pena de morte. Mulheres vivem sob a guarda de homens de suas famílias e mesmo estrangeiras em trânsito podem ter problemas se não seguirem orientações locais.

Um relatório da organização Human Rights Watch, por exemplo, aponta que o regime deixa sob tutela dos homens importantes escolhas da vida de mulheres, impedindo que elas decidam sobre seus próprios casamentos, bolsas escolares fora do país, trabalhos no governo, tratamentos reprodutivos, entre outros aspectos.

A instituição também apontou que a força de segurança local arbitrariamente prendeu gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros em setembro. A comunidade LGBTQIA+ internacional não está presente de forma expressiva no Mundial.

Para o engenheiro eletricista paraense Marcos Vinicius, 24, as leis locais não têm sido um obstáculo para aproveitar a Copa. Quando decidiu viajar para o evento, imaginava que teria mais dificuldades em relação ao regime.

"Tinha muito uma questão de vestimenta, mas está sendo tranquilo quanto a isso."


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