SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O clichê de a Copa do Mundo, este ano realizada no Qatar, ser um momento de união é uma meia verdade. Nem todos são convidados para a festa.
Em São Paulo, enquanto torcedores lotavam bares e praças, pessoas em situação de rua, afastadas das aglomerações, se esforçavam para acompanhar a seleção brasileira, que nesta segunda-feira (5) entrou em campo para enfrentar a Coreia do Sul pelas oitavas de final.
Ainda no primeiro tempo de jogo, o time canarinho já vencia por 4 a 0 quando os colegas Miguel Oliveira, João Batista, Wesley Campos e Vinicius Santos se encontraram em frente a uma padaria na avenida São João, na região central da cidade.
Dentro do comércio, monitores mostravam a partida. Do lado de fora, através do vidro, os homens acompanhavam com atenção.
O grupo reside em barracas sob o Elevado Presidente João Goulart, popularmente chamado de Minhocão.
Miguel, 40, era o mais participativo. Gritava para Neymar e xingava Tite, a quem dizia não gostar por ser ex-treinador do Corinthians. Miguel é torcedor do Santos. Natural de Caraguatatuba, no litoral paulista, ele vive nas ruas de São Paulo há 20 anos.
O homem relata que eles estavam ali por terem sido destratados em outros lugares. "Nos expulsaram da frente de outras lojas. Não nos deixam nem usar o banheiro, algo básico, de dignidade, imagina só assistir a um jogo."
Ao lado dele, Vinicius, 28, gritava a cada toque de bola do time brasileiro, mas afirmava ter pena do time coreano, que ainda marcaria um gol. Ele afirmava estar feliz, mas declarou não se importar muito com futebol.
"A galera toda animada por aí enquanto nós passaremos várias necessidades. Ninguém vê isso", diz.
Vinicius divide uma barraca com Wesley, 34, que dizia estar mais interessado em ver o Neymar do que a exibição brasileira. O craque do Paris Saint Germain, da França, voltava de lesão.
"Ele é o cara, né? Se a gente ganhar algo, é por ele. Sou fã demais", declarou.
Após o jogo, os quatro planejavam procurar um local para se lavar e comer.
"Tem um grupo reunido no Anhangabaú, quem sabe não conseguimos algo lá, né?", disse Miguel. Ele se referia aos milhares de torcedores que integravam a Fifa Fan Fest, organizada no Vale do Anhangabaú.
"É, mas bloquearam para a gente lá. Duvido que dê bom", disse, em seguida, Wesley.
Em outras vias da região central de São Paulo, alguns sem-teto paravam em frente a bares ou restaurantes para acompanhar a transmissão, mas eram logo afastados por seguranças ou funcionários dos locais.
As condições climáticas foram um empecilho. Chovia na capital, e muitos moradores de rua preferiram ficar em suas barracas ou protegidos, longe de estabelecimentos comerciais.
Agentes da polícia, em peso na região central da cidade, também contribuíram para afastar os sem-teto de qualquer ponto com monitor ou telão ligados.
O último censo divulgado pela prefeitura, em janeiro deste ano, mostra que o número de sem-teto passou de 24.344 para 31.884 em dois anos.
No último dia 2 de dezembro, a instalação de grades na praça Marechal Deodoro, no bairro da Santa Cecília, na região central da capital, levou à retirada de pessoas que dormiam ali havia meses. Esses moradores de rua migraram, em grande parte, para o Minhocão, instalando barracas sob o elevado.
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