WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - A seleção de Marrocos comemorou seu feito histórico na Copa do Mundo ondulando a bandeira da Palestina, em vez da sua. Ao celebrar a classificação às quartas de final ? um marco inédito para um país árabe ? os jogadores posaram na terça-feira (6) para uma foto com uma flâmula vermelha, preta, branca e verde.

A Copa do Qatar está se firmando como um dos momentos mais visíveis de solidariedade entre as nações árabes nestes últimos anos. Os jogos não só de Marrocos, como também da Tunísia e da Arábia Saudita, foram seguidos na região como oportunidades de fincar o pé em um mundo que os colonizou, discriminou e escanteou. Como único sobrevivente na disputa futebolística, Marrocos carrega agora sozinho esse peso.

Esse tipo de confraternização tem se tornado cada vez mais raro. Já estão distantes, afinal, os anos do arabismo carismático do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser (1918-1970). Daí, em parte, a surpresa e a catarse flagradas nestes dias em Doha.

Não é inesperado que o sentimento de solidariedade árabe se plasme em torno da Palestina. Há décadas essa causa tem unido países de culturas, histórias e políticas díspares, exigindo o fim da ocupação israelense e a formação de um novo Estado.

A criação de Israel em 1948 levou à expulsão de dezenas de milhares de palestinos. O evento é conhecido em árabe como "nakba", ou "catástrofe". Em 1967, Israel tomou a Cisjordânia, que coloniza desde então com a construção de assentamentos.

Há imensa crítica internacional contra a expansão do controle israelense nesse território, feita em detrimento da liberdade de movimento dos palestinos. Israel justifica sua presença, em parte, como sendo necessária para garantir sua segurança. Nas últimas décadas, grupos palestinos realizaram ataques terroristas contra cidadãos israelenses.

São esses os acontecimentos que as torcidas árabes evocam na Copa. Não só com a bandeira palestina, figura cativa no Qatar, mas também com hinos. Vídeos circulam nas redes sociais, com torcedores entoando fórmulas clássicas como "com a nossa alma / com o nosso sangue / nós a defendemos, ó Palestina". Uma outra gravação mostra pessoas na rua cantando "à nossa amada Palestina / onde estão os árabes? / estão dormindo? / ó, mais belo dos países / resista".

Torcedores árabes têm protestado, também, contra os jornalistas israelenses que estão trabalhando em Doha. Em uma ocasião, por exemplo, um grupo de libaneses saiu no meio de uma entrevista ao descobrir que o repórter ? que falava em árabe fluente ? era israelense. "Israel não existe", disse um deles, enquanto se afastava.

Esse tipo de vídeo se tornou quase um gênero próprio na internet. Nas redes sociais, há inúmeros fios compilando as manifestações públicas contra jornalistas israelenses. Não há, vale dizer, notícias de qualquer caso de violência física contra esses repórteres.

O apoio aos palestinos não é apenas uma demonstração de solidariedade, mas também um protesto popular contra alguns dos governos da região. Em 2020, países como Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos assinaram acordos de aproximação com Israel ?um avanço geopolítico que enfraqueceu os palestinos, ao isolá-los. Os chamados Acordos de Abraão foram uma das grandes vitórias do ex-presidente americano Donald Trump, celebradas também pelo seu sucessor, Joe Biden.

Mas as manifestações de apoio aos palestinos, tão evidentes em Doha, são uma mensagem clara de que a normalização das relações entre Israel e os países árabes é um desafio imenso que não depende apenas de tratados assinados pelos governantes. O antagonismo persiste nas ruas, e ameaça as maquinações políticas.

Isso fica bastante claro em outro dos vídeos viralizados nesta Copa, registrando mais um protesto de torcedores árabes contra jornalistas israelenses. Em uma das imagens, um grupo de jovens envoltos na bandeira marroquina vai embora no meio de uma entrevista. O repórter grita diversas vezes: "Mas vocês assinaram um acordo de paz!". Não os convence, e eles não voltam.

Glyn Kirk/AFP - Reprodução