SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não é de hoje que as comemorações dançantes estão presentes em uma Copa do Mundo.

Mas as coreografias nos gols de Brasil 4 x 1 Coreia do Sul viraram tema de debate, principalmente após os comentários de Roy Keane, que achou que os brasileiros passaram do ponto.

"Nunca vi tanta dança. Eu sei que tem o ponto da cultura, mas acho realmente desrespeitoso com o adversário. São quatro (gols) e eles fazem toda vez. A primeira dancinha ou seja lá o que fazem, tudo bem. E então o técnico se envolve. Não fico feliz com isso. Não acho isso nada bom", disse o ex-jogador irlandês e atualmente comentarista de uma TV britânica.

As dancinhas dos brasileiros são também uma resposta ao racismo sofrido por Vinícius Júnior, que foi ofendido em um programa de TV da Espanha antes do clássico do seu Real Madrid contra o Atlético de Madrid.

Outras celebrações cheias de malemolência são lembradas de quatro em quatro anos, como o rebolado do camaronês Roger Milla, em 1990, ou a bela (e coreografada) comemoração do sul-africano Tshabalala na Copa de 2010.

O lateral colombiano Armero, muito conhecido no Brasil, transformou o rebolation em armeration em gramados por aqui, e levou a celebração ao Mundial de 2014.

E brasileiros com mais Copas no currículo ainda lembram de Junior sambando após marcar contra a Argentina, em 1982.

A alegria contagiante do lateral esquerdo daquela seleção, que virou símbolo de futebol-arte, nunca foi vista como deboche. "Não vejo nenhum tipo de zombaria com a dança dos jogadores brasileiros, vejo a manifestação de uma corporeidade que se expressa dessa forma", afirma Luiz Antonio Simas, professor e autor de livros como "Umbandas: Uma História do Brasil" e "Ode a Mauro Shampoo e Outras Histórias da Várzea".

"Acho que a dança está muito presente na formação brasileira, até porque se a gente tenta entender como as culturas africanas e indígenas lidam com a corporeidade, vai ver que a expressão da dança é uma forma muito natural de interagir com o mundo", conta Simas.

Ao exemplificar o uso da dança como interação com o mundo, o professor cita a cultura do candomblé no Brasil. "O nome dos toques dos tambores de cada orixá corresponde à dança de cada orixá. O aguerê não é só o toque de Oxóssi, é o toque e a manifestação corporal da dança", conta.

Se a escola do futebol inglês se manifestou pela jogada aérea, e a da escocesa pela troca de passes, o autor diz que a contribuição brasileira ao futebol é a da ginga. "E gingar é uma maneira de dançar também, o drible é uma forma de expressão de corporeidade."

"Somos constituídos por povos que lidaram com o mundo dançando. E você não dança só como manifestação de alegria, mas também de dor, de tristeza. A expressão do corpo que baila está entranhada nas nossas culturas", completa Simas.

O professor Flávio de Campos, do Departamento de História da USP, faz coro ao dizer que não há nenhum insulto nas comemorações da seleção. "A gente tem uma expressão de alegria cultural que é brasileira, e que aparece em diversas culturas."

"A gente manuseia a bola com o pé, e manusear é com a mão. É um desafio ao processo de desenvolvimento. O futebol subverte ao acionar as partes da cintura para baixo, é uma ironia corporal. E o outro elemento da cultura humana que faz isso é a dança", diz Campos.

"A gente rebola, requebra, usa os pés, vejo muita semelhança na expressão cultural entre o futebol e a dança, e quando os jogadores celebram com dancinhas, misturam esses dois elementos", afirma.

O professor também acredita que há um resgate da cultura popular que envolve raízes africanas e outras formas de expressões musicais, mais recentemente, o funk.

"O funk é o novo maxixe, a dança que era proibida há quase um século. É a dança dos periféricos, pretos, pobres, mesmo que nossos atletas comam carne com pozinho de ouro, o que é uma contradição do processo", avalia Campos, que sente falta apenas da liberdade para comemorações políticas, proibidas pela Fifa.

"A Copa poderia ser também um momento interessante para expressar a indignação contra racismo, homofobia, machismo e desigualdade social. Mas que venham mais dancinhas."

O tema já foi discutido nas entrevistas com jogadores da Croácia, rival do Brasil nas quartas de final.

"Deixem eles dançarem. Não vejo desrespeito no fato de que o brasileiro nasce e vive de música. Sei como eles vivem, e não vejo nada de errado. Claro, tudo tem seus limites", declarou o zagueiro Lovren.


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