DOHA, QATAR (FOLHAPRESS) - "Senhor, por favor."
Usando uma camiseta que dizia "time de segurança da Copa", Aboud estava desesperado. Chegou a virar para o colega e abrir os braços, como a pedir conselho sobre o que fazer. Não havia.
Ele deveria impedir que estranhos entrassem na sacada do The Village Hotel, no Souq Waqif, coração de Doha. Seus pedidos eram ignorados por dezenas de argentinos.
A torcida da Argentina havia marcado um "bandeiraço" na região. O movimento, que acontece em todos os Mundiais, reúne milhares de pessoas para cantar músicas de arquibancada e, no melhor estilo argentino, "alentar" a seleção sul-americana. Um estádio fora do estádio.
No Brasil, em 2014, foi na praia de Copacabana, quando se popularizou o refrão "Brasil, decime que se siente" (Brasil, me diga como se sente), música que se tornou febre tão grande que ainda hoje é cantada.
Em 2018, na Rússia, aconteceu na praça Vermelha, apesar da embaixada em Moscou ter avisado que aglomeração de pessoas sem autorização do governo é crime.
Em Doha, foi em frente ao Le Pouce, a escultura em formato de dedão, no Souq Waqif, mercado permanente que é uma das maiores atrações turísticas da capital do Qatar.
O local é sempre frequentado por muitas pessoas. Mas não como aconteceu na noite desta quinta-feira (8). Milhares de torcedores se juntaram em um pequeno espaço e começaram a pular e cantar em homenagem à "seleção que tem Messi e Maradona", como diz uma das canções.
"Não dá para escolher. Nós não escolhemos entre os dois. Pare de insistir!", pediu Nicolás Defasio, 27, que mostrava para câmeras de TV faixa com as imagens de Lionel Messi e Diego Maradona. Um repórter pediu repetidas vezes para o torcedor dizer quem foi melhor.
"Não pode, senhor. Por favor!", implorou Abud enquanto o argentino Daniel Orsini, com camisa retrô do River Plate, pulava a mureta do The Village Hotel para entrar na área que o segurança deveria preservar apenas para convidados da Fifa e câmeras de emissoras detentoras dos direitos de transmissão.
O torcedor havia esperado por mais de dez minutos de pé em uma pilastra (onde também não poderia estar) antes de conseguir uma brecha para saltar e ficar mais perto do núcleo do bandeiraço --entrando no espaço restrito para isso.
"O bandeiraço é parte fundamental dessa experiência de torcer para a Argentina na Copa. Acho que eles aqui [em Doha] nunca viram nada assim", disse Orsini, que não tem ingresso para a partida desta sexta (9), contra a Holanda, pelas quartas de final.
É possível que ele esteja certo. Souq Waqif nunca viu nada parecido. A um dia das quartas de final, mulheres de niqab (véu muçulmano que deixa apenas os olhos à mostra), homens de túnica, crianças de colo e imigrantes com camisas alviceleste se misturavam com os argentinos.
Integrantes da comunidade de Bangladesh, Bahrein e Índia, divididos entre as preferências por Argentina e Brasil, pulavam para acompanhar a massa, mas não conseguiam seguir as letras em espanhol.
Horas antes, Louis van Gaal, técnico da Holanda, havia dito estar preparado para enfrentar a maioria argentina nas tribunas do estádio Lusail, onde acontece a partida. Chegou a citar 40 mil pessoas, o que seria a metade da capacidade da arena.
Parte delas estava no Souq Waqif.
"Estamos só eu e meu colega. A gente precisa de mais pessoas aqui. São muitos pulando. Alguns consigo tirar, outros, não", queixou-se Abud, o segurança.
Em 20 minutos, ele não conseguiu tirar ninguém. À frente do segurança, cinco argentinos saltavam sem parar no lugar reservado a autoridades da Fifa, a gritarem e a cantarem que aquela era "la banda mas loca que hay".
Outros faziam de conta que não ouviam as súplicas de "senhor, por favor."
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