SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A campanha que coroou Lionel Messi e deu à Argentina seu terceiro título mundial começou com dificuldades. O time que derrubou a França na decisão teve derrota para a Arábia Saudita e uma classificação acidentada às oitavas de final.
Ela foi obtida com vitórias sobre México e Polônia. Nas oitavas, a equipe alviceleste teve uma difícil vitória sobre a Austrália. Na etapa seguinte, o que pintava como um jogo fácil contra a Holanda se transformou em drama, com triunfo nos pênaltis.
As semifinais foram de tranquilidade diante da Croácia. E parecia que a final seguiria o mesmo roteiro. Mas os franceses lutaram e tornaram o confronto duríssimo.
Confira momentos marcantes da trajetória dos novos campeões mundiais
Zebra
A seleção chegou à Copa prestigiada: era uma das favoritas ao título entre jogadores, técnicos e comentaristas. Havia também uma grande expectativa por esta ser a última participação de Messi em Copas.
E ele começou bem: abriu o placar com uma cobrança de pênalti aos 10 minutos do primeiro tempo. A cada minuto que passava, a vitória parecia mais fácil. Os argentinos marcaram três gols, que acabaram anulados --um de Messi e dois de Lautaro Martínez. Só eles jogaram na primeira etapa e pareciam confortáveis com a disputa, apesar do placar magro: 1 a 0 na ida para o intervalo.
Na volta, veio o baque. Com dois minutos do segundo tempo, a Arábia se aproveitou de um vacilo na marcação do meio de campo argentino e empatou a partida com um chute cruzado de Saleh Al Shehri.
A partir daí, os sauditas se transformaram em campo, e a alviceleste parecia atordoada pelo arremate fraco encaixado no canto esquerdo do goleiro Dibu Martínez.
Cinco minutos depois, a seleção árabe emendou outro chute, desviado pelo zagueiro. No rebote, Aldawsari sofreu para dominar, mas driblou três e acertou um belo chute no ângulo esquerdo da meta argentina. Dibu tentou espalmar, mas só aparou para dentro das redes.
O desespero tomou argentinos, que corriam na tentativa de reverter o resultado. Al Owais, goleiro saudita, e sua zaga seguraram a partida pelos 37 minutos regulamentares restantes, além dos 14 de acréscimos. Messi tentou de cabeça, chutando, dando assistência, driblando meia dúzia, mas nada adiantou.
A Argentina saiu da partida tão nocauteada quanto o lateral Yasser Al-Shahrani, que levou uma joelhada do próprio goleiro no rosto e teve fraturas na mandíbula e no lado esquerdo da face.
Uma das favoritas, a Scaloneta sofreu uma das maiores zebras da história das Copas logo em sua estreia.
Renascimento
O elenco argentino passou pela pior pressão entre todas equipes da Copa do Mundo: favorito ao título, precisava vencer o México, uma seleção mais fraca, disposta a se trancar pelo empate ou por uma bola de sorte. A situação da Alemanha também não era fácil, mas os germânicos enfrentariam uma Espanha mais aberta, de um Luis Enrique que recusa a retranca.
A responsabilidade caía então sobre Messi, como foi nas últimas edições de Copa.
Os mexicanos criaram um ferrolho e dificultaram muito a criação argentina. No primeiro tempo, pouquíssimas jogadas de gol, nenhuma clara. Os únicos lances relevantes saíram de bolas paradas, mas nada alarmante.
Durante a segunda etapa, a alviceleste insistia e batia na parede tricolor. Até que, numa jogada pelo lado direito do campo, dos pés de Di María, a marcação mexicana deixou Messi descoberto na entrada da área. O pouco espaço que o rosarino teve foi suficiente: Di María, encarado por quatro marcadores, encontrou o craque do PSG com um passe truncado. "Mandei um cocô para ele", disse o jogador da Juventus.
Quando viu a jogada se desenhando, o marcador Héctor Herrera correu desesperado, mas só foi capaz de vê-la mais de perto: Messi dominou rapidamente com o pé esquerdo e arrematou com precisão ímpar. A bola entrou rasteira, de fininho, com mais jeito do que força, passando entre três marcadores para cair no cantinho esquerdo de Ochoa.
O México não soube reagir. Não conseguiu criar chances para retomar o jogo. Novamente, a partida já parecia vencida pelos argentinos. Só que, desta vez, foi diferente. Veio a cereja do bolo: no finalzinho, aos 21 anos, o meia Enzo Fernández fintou no bico esquerdo da grande área depois de receber a bola de Messi e cavou um golaço colocado à esquerda de Ochoa.
A partida contra o México deu um gostinho do que seria time argentino no restante do campeonato: com ajuda de jovens como Enzo, 21, Julián Álvarez, 22, e Mac Allister, 23, o veterano Lionel, 35, seria um messias em campo, encontrando espaço onde não existe e dividindo-o com os meninos.
Consagração dos garotos
Contra os poloneses, a pressão era menor, mas persistia. Era importante vencer para garantir o primeiro lugar e a classificação no grupo. A Argentina se propôs a atacar com intensidade, enquanto a Polônia estava satisfeita em se defender.
Mas a marcação não se encaixou: com 35 minutos, o goleiro Szczesny, 32, mantinha o placar zerado mesmo bombardeado pelos argentinos. Fez uma grande defesa no mano a mano contra Julián Álvarez, que pegou o rebote e cruzou para Messi no segundo pau. O craque argentino disputou a bola no alto com seus 1,69 m de altura e colidiu com o guarda-redes de 1,96 m. Pênalti controverso para a Argentina, com revisão no VAR.
Confiante, Szczesny acalmou seus companheiros e se alinhou aguardando a cobrança. Messi bateu forte no canto esquerdo do goleiro, mas à meia altura. O polonês espalmou para fora de mão trocada, uma defesaça, e vibrou cara a cara com a torcida argentina. Sozinho, segurou o ataque argentino durante o primeiro tempo.
Mas, logo no início do segundo tempo, seu esforço caiu por terra. Molina cruzou bola rasteira para Mac Allister, que a chapou de leve, com efeito, no cantinho direito do gol, tirando do goleiro. Poloneses não tiveram nem sequer um vislumbre de se reerguer: os argentinos dominavam e tinham as bolas nos pés.
E foi de pé em pé que saiu a jogada do segundo gol. Depois de rodear a área polonesa tocando a bola, Enzo Fernández driblou antes da entrada da área e encontrou Julián Álvarez infiltrado na linha de zaga. O jovem atacante do Manchester City dominou rapidamente e colocou a bola no canto esquerdo de Szczesny, que ainda tocou na bola antes que ela caísse caprichosa na rede.
Depois de outro passe de Enzo, Messi quase marcou mais um. Julián, também. O goleiro só foi capaz de impedir uma goleada. Argentina classificada para o mata-mata com apresentação exemplar dos garotos.
Marcação agressiva e o X salvador de Dibu
Nas oitavas, os hermanos caíram em um dos confrontos mais desequilibrados da fase: pegaram a Austrália, que se classificou de maneira surpreendente na segunda colocação do Grupo D, após vencer Tunísia e Dinamarca.
Mesmo depois de boa campanha na fase de grupos, os australianos não inspiravam confiança.
Começaram a partida retrancados, mas permitiram que os argentinos rodassem a bola em volta da grande área, tocando-a de pé em pé. Mesmo sem criar chances, a equipe alviceleste é dura na marcação, especialmente logo após a perda da posse: ela cerca o adversário de maneira imediata para evitar contra-ataques perigosos.
Numa dessas ocasiões, aos 33 minutos, Messi perseguiu o lateral esquerdo Aziz Behich, da Austrália, até conseguir descolar um lateral para a Argentina. Depois da dividida, os dois se estranharam, e, logo após a cobrança do lateral, Behich cometeu uma falta em Papu Gómez na ponta direita do ataque argentino.
Messi cobrou na área, a defesa australiana aparou para longe da baliza, e o rebote caiu em pés argentinos. Em linda jogada, com toques rápidos entre Mac Allister e Otamendi, o craque recebeu no começo da grande área, pela esquerda, para marcar um gol bonito. A bola rasteira e colocada deslizou com capricho até o gol.
Logo no começo do segundo tempo, a marcação argentina voltaria a causar estrago --agora, pressionando a saída de bola com De Paul e Álvarez. Os dois conseguiram encurralar o goleiro Ryan, que tentava distribuir o jogo para seus colegas e foi desarmado na cara do gol. Bola dos pés de Álvarez para o fundo da rede.
E o jogo parecia fácil, como no roteiro. Aos 19 da etapa final, Messi reproduziu outra jogada magistral de seu repertório: driblou seis marcadores até ficar cara a cara com o goleiro australiano. No último, deu uma caneta e quase conseguiu bater para o gol --o lateral direito Degenek chegou a tempo de bloquear.
Aos 31, depois de a zaga argentina rebater uma bola, Goodwin encheu o pé. A bola desviou em Enzo Fernández e entrou.
Renasceu a Austrália, a menos de 15 minutos do fim regulamentar. Em seguida, o lateral Behich também fez fila: passou por quatro marcadores e ficou cara a cara com Dibu Martínez, mas não conseguiu finalizar.
Messi reagiu e deixou Lautaro Martínez livre para marcar em duas oportunidades claras de gol. O atacante matador da Inter de Milão perdeu as duas chances e não fez uma boa Copa --tanto que perdeu espaço para Álvarez.
Nos últimos segundos da partida, o zagueiro australiano Souttar desviou um cruzamento de cabeça, e a bola caiu nos pés do jovem Garang Kuol, de 18 anos, cara a cara com o goleiro Dibu Martínez. O guarda redes correu em direção ao atacante e esticou os braços e as pernas para uma defesa com o corpo em formato de X. A bola parou no braço esquerdo de Dibu, quicou no chão e subiu para a defesa em dois tempos. Argentina classificada para as quartas.
Na base do ódio contra van Gaal
O técnico holandês, Louis van Gaal, é um velho conhecido dos argentinos. Envolveu-se em polêmica com o craque Riquelme --rifou o jogador quando foi seu treinador no Barcelona--, e, nas semifinais de 2014, sua Holanda foi derrubada pelos argentinos nos pênaltis, após empate por 0 a 0.
Desta vez, o experiente comandante prometeu tirar a bola de Messi. Essa era a proposta holandesa na partida das quartas: impedir que ela chegasse ao craque. Se chegasse, que acontecesse o mais longe possível do gol.
Não funcionou. Aos 34 minutos do primeiro tempo, o rosarino recebeu perto da intermediária e abriu caminho com passadas curtas e rápidas até encontrar espaço para deixar o lateral direito Nahuel Molina na cara do gol. O zagueiro van Dijk tentou impedir, mas, desajeitado, Molina tocou com o bico da chuteira para tirar do goleiro Noppert e abrir o placar.
Os holandeses pouco ameaçaram a Argentina. A 20 minutos do fim da partida, o lateral esquerdo Acuña sofreu um pênalti no canto esquerdo da grande área. Messi converteu e não deixou barato para Van Gaal: comemorou com o Topo Gigio de Riquelme diante do banco holandês.
Desesperado, o técnico da Laranja Mecânica apostou no chuveirinho para o homem de área Weghorst, de 1,97 m. Desta vez, a estratégia funcionou. Aos 37 do segundo tempo, o centroavante fez o primeiro com um cabeceio. No último lance da partida, recebeu a bola numa cobrança de falta ensaiada e empatou, levando a partida para a prorrogação.
No tempo extra, Di María quase fez um gol olímpico, Enzo Fernández acertou a trave e Paredes por pouco não começou um tumulto depois de chutar a bola no banco holandês. Mas continuou tudo igual, e a decisão foi para os pênaltis.
Nas cobranças, o goleiro Dibu Martínez foi novamente decisivo. Pegou pênaltis de Van Dijk e Berghuis. A raivosa Argentina, retratada no mal-entendido entre Messi e Weghorst no pós-jogo, passou para as semifinais da Copa.
Consolidação
O adversário das semifinais foi a Croácia, que venceu a alviceleste por 3 a 0 em 2018 e acabava de derrubar o Brasil nas quartas nesta edição. Os europeus conseguiram travar o ataque brasileiro; seria possível repetir a dose, desta vez contra os argentinos?
A resposta foi contundente. Aos 31 do primeiro tempo, Julián Álvarez foi derrubado por Livakovic na área, depois de receber um belo lançamento de Enzo, de moleque para moleque. Pênalti marcado. Messi converteu e se tornou artilheiro da Copa ao lado de Mbappé, com cinco gols.
Em seguida, aos 38, Álvarez insistiu até o final na jogada e quase entrou com a bola no gol em contra-ataque fulminante. Depois de dois desvios na zaga croata rendida, deu um toquinho e tirou do goleiro Livakovic, pesadelo da seleção brasileira, para ampliar o placar.
Os argentinos quase fizeram o terceiro ainda no primeiro tempo, mas ele ficou para os 23 minutos da segunda etapa, em jogada brilhante de Messi, que brincou com Gvardiol, um dos melhores zagueiros do torneio. No canto direito da grande área, o gênio argentino girou para um lado, para o outro, enganou o croata e invadiu descendo a linha de fundo.
Álvarez só esperava dentro da área. E a recebeu pronta para o arremate limpo.
Do veterano para o garoto, assim foi construída a goleada que colocou uma Argentina confiante na final da Copa do Mundo. O mesmo pode ser dito da campanha alviceleste: lideradas por seu craque, as promessas argentinas abriram caminho para uma despedida gloriosa de um dos maiores jogadores da história do futebol em sua última Copa do Mundo.
Dupla rosarina constrói o tri
A Argentina dominou o primeiro tempo, tanto que os franceses não finalizaram a gol na primeira etapa. O triunfo foi dividido entre Messi e seu parceiro mais longevo na seleção, Ángel Di María, 34, ambos nascidos em Rosário.
Aos 22, Di María driblou Dembelé na linha de fundo, na esquerda do ataque argentino, e invadiu a área. Ao ala francês, só restou um toque no pé do rosarino para tentar impedí-lo. Pênalti para a Argentina, mais um para Messi converter.
Aos 36, a alviceleste armou um lindo contra-ataque, em outra jogada com requinte culé, dos tempos áureos do Barcelona de Messi.
O craque argentino infiltrou Mac Allister, que cruzou rasteiro e deixou Di María cara a cara com Lloris para fazer o segundo. E o jogo parecia continuar nas mãos dos argentinos até os dez minutos finais. Foi quando Otamendi derrubou Kolo Muani na área --mais um pênalti, desta vez, para Mbappé.
Aos 23 anos, o craque francês converteu sua primeira finalização no jogo. Dibu Martínez acertou o canto e quase pegou. O renascimento francês abalou a Argentina, que parecia atordoada, como depois do gol sofrido para a Arábia.
Apenas um minuto depois, Mbappé tabelou com Thuram, recebeu passe alto e emendou chicoteando a bola para dentro do gol. Empate relâmpago dos franceses, que quase viraram com Kolo Muani e Rabiot.
Na prorrogação, Messi novamente marcou, no rebote de Lautaro Martínez, mas Mbappé, de pênalti, impediu a vitória argentina novamente.
Os dois craques converteram seus pênaltis. Dibu pegou o pênalti de Coman, e Tchouaméni chutou para fora. Montiel, que fez o pênalti convertido por Mbappé na prorrogação, fez o dele e garantiu o tricampeonato argentino.
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