SÃO PAULO, SP (FOLHAPRES) - Pelé perdeu dois pênaltis seguidos. Era apenas um treino, e poucos assistiam ao que ocorria no campo do estádio do Ibirapuera, em São Paulo. Mas os comentários foram irônicos.

"Está velho."

"Só sabe desfilar nos Estados Unidos."

"A Xuxa está no telefone!"

Os outros jogadores gesticularam para os poucos presentes pararem com aquilo imediatamente.

"Aquilo foi um desrespeito", considerou o hoje treinador Paulo Cesar Carpegiani.

Depois do treinamento, na manhã de sábado, 3 de janeiro de 1987, Pelé disse não ter ouvido nada que foi dito.

Pouco mais de 24 horas depois, o Rei do futebol, aos 46 anos, faria a última partida de sua vida diante da torcida brasileira. Saiu de campo satisfeito, acreditando não ter decepcionado quem saiu de casa para vê-lo. Mas não fez gol na vitória por 3 a 0 da seleção brasileira de másteres sobre a Itália, na abertura da Copa Pelé.

"A gente não acreditou quando ele chegou ao hotel. E era o mesmo Pelé de sempre. Aquela simpatia e humildade, de conversar com todo o mundo. Ninguém botava muita fé que ele ia participar, mas estava lá. Mesmo cansado, foi treinar um dia antes da partida e depois jogou. E jogou muita bola!", relembra Dario, o Dadá Maravilha, autor de um dos gols.

A Copa Pelé nasceu como consequência da criação de uma seleção brasileira não oficial de veteranos. O time pertencia à Luqui, empresa que tinha como sócio o narrador Luciano do Valle (1947-2014). As partidas, sempre amistosas, eram realizadas geralmente aos domingos e transmitidas ao vivo pela Bandeirantes no Show do Esporte, programa que durava cerca de oito horas.

Em 1986 surgiu a ideia de realizar um torneio com seleções de todos os países campeões mundiais até então: Brasil, Argentina, Uruguai, Alemanha, Itália e Inglaterra. Durante a competição, em janeiro do ano seguinte, as delegações ficaram hospedadas no Hotel Maksoud Plaza, na região central da capital.

"Quando chegamos para treinar, eu vi a quantidade de jornalistas presentes [por causa de Pelé]. Aí sim, senti-me um técnico da seleção brasileira", disse Luciano do Valle, em entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil.

Segundo o narrador e empresário, Pelé se recusou a jogar no início. Autorizou somente que seu nome batizasse a competição. Apenas dias depois mudou de ideia. Ele não atuava no Brasil desde um amistoso em Goiânia, em 1983, para arrecadar doações para vítimas da seca no Nordeste. Ele havia se aposentado do futebol com a camisa do New York Cosmos, em 1977.

Pelé chegou um dia antes do jogo contra a Itália porque tinha sido homenageado na mesma semana em Nova Orleans, nos Estados Unidos. Luciano do Valle se recordou de ter pedido para o Rei ir descansar, mas ele respondeu que treinaria. A primeira pergunta que fez foi: naquela seleção, de que jogaria?

"Do que você quiser, pô!", foi a resposta do técnico.

"Eu tive de falar para o Pelé que atuaria onde quisesse. Voltar para a defesa, pegar a bola, ir ao ataque. O que quisesse", afirmou Rivellino, até então o maior nome do elenco.

A notícia da presença do Rei do futebol surpreendeu as outras seleções. Os jogadores da Itália passaram dia a discutir quem o marcaria. Vários queriam esse privilégio. Os ingressos para o confronto, no estádio do Pacaembu, esgotaram-se.

"Foi a chance que tive de jogar ao lado do Pelé pela seleção. Disputei três Copas do Mundo, mas joguei muito pouco", lembrou o ponta-esquerda Edu, presente nas campanhas de 1966, 1970 e 1974, a acreditar que aquela partida foi, apesar da aposentadoria como profissional, uma resposta a quem não lhe deu mais chances em Mundiais.

"Estou louco para jogar ao lado dele. Só de falar com ele, fico emocionado", falou o ponta-direita Cafuringa, à Folha, na época.

Após treinar no Ibirapuera, o que Pelé mais fez foi falar sobre política. Manifestou apoio ao governo do então presidente José Sarney, "o primeiro a tentar fazer algo pelo país sem demagogia." Reclamou também da corrupção.

Nos 90 minutos derradeiros de sua vida em campos brasileiros, ele tocou na bola 77 vezes. Teve chances para marcar, mas isso não aconteceu por culpa do goleiro Enrico Albertosi, o mesmo que o enfrentou na final da Copa de 1970.

Mesmo sem anotar, protagonizou o lance mais bonito da partida, ao roubar a bola de Albertosi e emendar uma bicicleta, invalidada pelo árbitro, que considerou ter havido falta no goleiro.

Pelé saiu de campo a considerar que a chuva deixou o gramado muito pesado e que aquilo atrapalhou o que poderia ser mostrado. Deixou no ar também a possibilidade de participar da segunda rodada, quando o Brasil enfrentaria o Uruguai, na Vila Belmiro. Assegurou que o assunto não estava decidido.

Pouco mais de 24 horas depois, anunciou que não jogaria por "problemas pessoais."


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