BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - As representações da AGU (Advocacia-Geral da União) contra o jogador de vôlei Wallace Leandro de Souza, que fez uma enquete nas redes sociais questionando se alguém "daria um tiro na cara" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmam que ele "não é só um mau exemplo, é um mau atleta, que deve ser repreendido por toda a comunidade esportiva".
Os pedidos de punição ao atleta feitos pelo órgão, que representa juridicamente o governo, ao COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e à CBV (Confederação Brasileira de Voleibol) foram obtidos pela Folha. A solicitação à AGU foi feita pela ministra do Esporte, a ex-jogadora de vôlei Ana Moser, e pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta.
Nos documentos encaminhados ao COB e à CBV, a AGU diz que a conduta de Wallace configura incitação ao crime e "não está albergada pela liberdade de expressão, pois ninguém é autorizado a cometer crime invocando essa liberdade fundamental".
"A conduta do atleta ora representado é ainda mais abjeta, pois os atletas, por sua exposição pública, conformam e reproduzem atitudes dos seus admiradores, no mais das vezes crianças e adolescentes que desejam praticar atividades esportivas e realizar o sonho de se tonar um atleta de renome", afirma a AGU.
De acordo com o órgão, a comunidade esportiva "repudia veementemente práticas de ódio semelhantes".
Os documentos foram encaminhados ao COB e à CBV na última quarta-feira (1º). Ao Comitê Olímpico, o governo Lula pede "punição exemplar" do atleta. O requerimento da AGU pede que seja aberto processo administrativo contra Wallace, além de "multa e banimento do esporte olímpico".
Já à CBV é solicitado que seja aplicada ao atleta as penas de censura escrita, multa e suspensão. Essas multas podem chegar ao valor de R$ 100 mil.
Os documentos são assinados por Rogério Telles Correia das Neves, diretor substituto do Departamento de Assuntos Extrajudiciais da AGU, e por André Augusto Dantas Motta Amaral, consultor-geral da União.
O COB, inclusive, abriu um processo no Conselho de Ética para apurar a conduta do jogador no episódio. A medida, no entanto, não foi tomada em resposta à medida da AGU, que pretende entrar como terceira interessada no processo.
No dia em que o caso ganhou repercussão, a cúpula do Comitê se reuniu com a área de compliance e, segundo presentes no encontro, decidiu pela representação em poucos minutos.
A avaliação da entidade é a de que o caso é mais grave do que manifestações anteriores do próprio jogador, abertamente defensor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que não levaram a uma investigação sobre a conduta. Wallace, por exemplo, já apareceu em postagens favoráveis a Bolsonaro com o ex-atleta e hoje deputado federal, Maurício Souza (PL-MG).
O entendimento é de que o campeão olímpico, desta vez, não simplesmente pronunciou uma preferência política, o que seria admitido, mas avançou para um terreno onde pode, inclusive, haver condenação criminal.
Neste sentido, o episódio também difere, segundo integrantes do Comitê, daquele envolvendo a jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, que criticou Bolsonaro durante uma entrevista pós-jogo.
Neste caso, por mais que ela tenha apenas manifestado uma preferência política, sua conduta foi alvo de apuração porque ela desrespeitou regras da competição da qual participava no momento.
Wallace é atleta do Sada Cruzeiro, que afastou o jogador por tempo indeterminado depois da publicação e exigiu que ele se retratasse e pedisse desculpas.
Na publicação, ele tirou uma foto com uma arma calibre 12 e depois abriu uma enquete perguntando se alguém daria um tiro na cara do presidente com ela.
Após a repercussão do caso, o jogador disse que cometeu um erro. "Errei e estou aqui pedindo desculpas porque quando você erra não tem jeito, você tem que assumir o erro e se desculpar", afirmou.
A representação da AGU contra o atleta levantou polêmicas a respeito do papel do órgão como representante jurídico do Estado brasileiro.
Para Gustavo da Rocha Schmidt, professor da FGV Direito Rio, a AGU "extrapolou suas competências".
Na visão dele, embora Wallace tenha "passado de todos os limites aceitáveis", quem deve acionar os órgãos contra o atleta é um advogado particular do presidente, e não a AGU.
"O papel da AGU é de órgão de Estado, que é da defesa dos interesses da União federal, e não a defesa do governante de plantão, seja ele qual for", afirma.
"No governo Bolsonaro, em vários momentos, a AGU extrapolou seu papel no sentido de fazer advocacia pessoal em nome do sr. Jair Bolsonaro. Fica a pergunta: a AGU está fazendo defesa pessoal do sr. Luiz Inácio Lula da Silva e não da União ou do Estado brasileiro?", questionou.
Procurada, a AGU afirma que sua atuação está amparada legalmente, que "os fatos que ensejaram as representações mostram que houve incitação à prática de crime contra a vida do presidente da República" e que a conduta do atleta foi grave.
"O art. 22 da Lei n° 9.028, de 12 de abril de 1995, estabelece que cabe à AGU atuar em defesa dos titulares e dos membros dos Poderes da República, 'inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime'", diz o órgão, em nota.
"A atuação da AGU está, portanto, amparada tanto na legislação mencionada quanto em seu dever institucional de representação da União", acrescenta.
"A AGU entende que ameaças aos titulares dos Poderes representam ameaças às instituições republicanas. A Advocacia-Geral não se furtará a cumprir seu papel institucional de defesa do Estado democrático de Direito e das autoridades dos Poderes no livre e regular exercício de suas atribuições."
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