SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao ouvir falar sobre reforços para o elenco, Andres Rueda abre o notebook e justifica o apelido recebido de um conselheiro da oposição: Zé Planilha.

O presidente do Santos desafia:

"Nós temos R$ 900 mil em caixa. Indica um jogador de qualidade para a gente contratar por esse valor."

As dificuldades financeiras na Vila Belmiro não são novas, mas a torcida se acostumou a compensar isso com títulos em campo. Isso acabou. O time não é campeão desde o Paulista de 2016. A crise técnica se aprofundou sob a administração de Rueda. Em 2021 e 2022, o Santos escapou do rebaixamento no estadual apenas na última rodada.

Precisava apenas de um empate contra o Ituano para ir às quartas de final neste ano. Perdeu por 3 a 0 em uma atuação que o próprio presidente não encontra resposta.

"Deu pane em todo mundo", não se conforma.

No Brasileiro, ficou em 10º (2021) e 12º (2022). Passou parte dos dois campeonatos a flertar com a zona de degola. Rueda já foi alvo de protestos de torcidas organizadas. Associados iniciaram um movimento chamado "Renuncia Rueda". Ele não cogita sair.

O que nem sequer passa pela sua cabeça também é utilizar um termo consagrado no futebol: o "esforço financeiro" para fazer uma contratação. Significa quebrar o cofre para trazer um jogador que vai satisfazer os torcedores. É o contratar hoje para ver depois como paga.

"Eu não trago ninguém, eu não faço acordo com ninguém sem ter certeza que vou pagar. O problema é que às vezes o dirigente se sente pressionado e fala 'foda-se, vou fazer isso para ter tranquilidade.' Você acha que eu não estou pressionado? Eu adoro a torcida, mas meu compromisso é com o Santos Futebol Clube", completa.

Há, entre ex-presidentes e conselheiros do clube, quem veja falta de experiência e arrogância de não ouvir opiniões diferentes. Como sugestões de contratações e de mudanças de gestão ignoradas por Rueda e seu Comitê de Gestão, órgão que, pelo estatuto, comanda a agremiação.

Uma das maiores críticas é o suposto viés errado da administração, que se preocuparia apenas em cortar gastos e não em aumentar receitas. E isso apenas aconteceria com bons resultados em campo.

A equipe pode ficar fora da Copa do Brasil de 2024, o torneio nacional mais rentável. A má fase também interfere em outros fatores de arrecadação, como venda de camisas e valores de patrocínio. A colocação final no Brasileiro também influi na distribuição do dinheiro das receitas de TV.

O Santos vive o maior jejum de títulos desde a conquista do torneio nacional de 2002, quando acabou com fila de 18 anos.

Rueda define o Santos como "uma caixinha de surpresas". Tem sempre uma notícia inesperada e ruim à espreita.

"Em 2023 estava tudo montado para ter uma situação mais confortável, que permitiria a gente ser agressivo no mercado com contratações pontuais. Contávamos com o dinheiro do Kaiky, mas fomos apanhados de surpresa", diz o presidente.

Ele se refere à negociação do zagueiro com o Almería, da Espanha, por US$ 7 milhões (R$ 36,8 milhões pela cotação atual). O dinheiro foi retido pelo fisco do país por causa de impostos não pagos em 2013, quando Neymar foi comprado pelo Barcelona.

Não é um discurso que vai agradar aos torcedores e pode reforçar a visão de Rueda como "pagador de boletos", uma crítica comum que lhe é feita. Ele afirma que será possível fazer contratações de mais porte na janela de transferências de julho. Conta com dinheiro de patrocínios que ainda serão fechados e a negociação de outro atleta. A maior moeda de troca é Ângelo.

Rueda fala que administra o Santos há dois anos e três meses, sendo uma temporada comprometida pela Covid-19. Lembra ter feito oito contratações para este ano, mesmo que a qualidade das aquisições seja questionada em reuniões do Conselho Deliberativo. Sobre Lucas Lima, diz que era o meia que o elenco precisava "e está aí."

Dispensado pelo Fortaleza quase sem jogar em 2022, o armador chegou à Baixada com um contrato de produtividade. Quando estava no Palmeiras, ele chamou os santistas de "sardinhas" no Twitter, disse ter deixado a Vila Belmiro para jogar em "estádio cheio" e, em outra entrevista, agradeceu que Deus o havia tirado "do nada" para colocá-lo no time alviverde.

Ele vê a aquisição de Lima como uma de baixo risco, assim como foi outra, a mais contestada de sua gestão: a do meia-atacante Luan. Emprestado de graça pelo Corinthians, foi um fracasso.

Rueda se sente injustiçado e cita memória curta dos seus opositores. Afirma ter assumido o Santos em situação falimentar e a preocupação maior era manter o clube aberto. É fantasia, assegura, separar as finanças do campo, porque um fator está diretamente ligado ao outro. No primeiro dia de administração, recebeu notícia de que o Santos estava fora do Profut, o programa de refinanciamento das dívidas com o governo federal.

Nesta semana, foi informado de que terá de pagar cerca de R$ 13 milhões a um escritório de advocacia por ter, de acordo com a Justiça, agido de má-fé e alterado um contrato. O caso ocorreu na administração de José Carlos Peres, seu antecessor.

"São coisas que caem no meu colo", reclama.

"A torcida não tem de se preocupar com a dívida. Não foi ela quem fez, não tem de entender se há dinheiro bloqueado. Ela quer resultado. Mas os seres pensantes do clube, o pessoal que está envolvido no dia a dia precisam entender que o campo não foi esquecido. O clube se reforçou com as possibilidades que tinha."

O Santos estreia no Campeonato Brasileiro, em 15 de abril, como candidato ao rebaixamento. Visita o Grêmio na primeira rodada. Andres Rueda garante não ter nenhum receio de ser o primeiro presidente rebaixado da história da agremiação. Afirma que isso não vai acontecer.

O dirigente havia dito, em 2021, que 2022 seria melhor para o Santos em termos de qualidade do elenco. Repetiu a promessa no ano passado, referindo-se a 2023. A equipe em nenhum torneio passou perto de ser campeã. O presidente agora garante que seu sucessor vai assumir o cargo, em janeiro de 2024, em uma situação bem mais tranquila financeiramente. O futuro do clube não está mais comprometido, jura.

Rueda abre o notebook de novo e mostra acordos sobre dívidas feitas por gestões anteriores e que teve de fazer por estarem em fase de execução. Como um contrato de R$ 4 milhões por ano para patrocinar uma equipe de basquete. O Santos é deficitário e fica no vermelho cerca de R$ 8 milhões todos os anos.

É uma arma para quem o critica e reclama que o segredo, na verdade, é aumentar a receita. Afirmação que Rueda contesta porque as dívidas estavam impedindo o Santos de existir e precisavam ser pagas.

É um risco. Se o seu discurso for correto e o seu sucessor puder montar um time vencedor, o atual presidente não vai colher os louros do seu trabalho. E se o eleito for perdulário e jogar por terra tudo o que foi feito entre 2021-2023, este será esquecido. O Santos tem a palavra "futebol" antes de "clube", e sem resultados em campo, pouco mais importa.

"Não tenho vaidade disso", afirma o presidente, que se vangloria apenas de ter pegado uma empresa do zero e tê-la vendido, anos depois, por R$ 600 milhões.

Multiplicar dinheiro no setor privado não significa acerto no futebol e Rueda sabe disso. Ele confessa que um dos grandes arrependimentos de sua gestão foi ter demitido Fabio Carille no início do ano passado, três meses após ele ter assumido um time limitado tecnicamente e com risco de rebaixamento, ao 10º lugar no Campeonato Brasileiro.

Por isso, diz que vai até o fim da sua gestão com Odair Hellman, o 9º treinador diferente de sua gestão.

"Se tiver uma sugestão de bom jogador por R$ 900 mil, pode mandar para mim", reforçou, para a reportagem da Folha, antes de se despedir.


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