SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - No dicionário, "treinador esportivo" é uma das traduções de "coach". No Brasil, porém, raramente as palavras são tratadas como sinônimo. Coach é uma coisa, treinador é outra. Raphael Zaremba é as duas coisas, e outras mais. Também trabalha como ator, palestrante, psicólogo clínico, professor de psicologia e, nas poucas horas vagas, jogador amador de basquete.

Raphael é o técnico da equipe sensação desta edição da Liga de Basquete Feminino (LBF). O Sodiê/Mesquita, também conhecido como LSB, não está entre os maiores orçamentos do torneio, mas venceu em casa duas das equipes mais tradicionais da liga: Ituano e Unimed/Campinas. Nesta quinta-feira (6), às 19h30, enfrenta o Blumenau, em Mesquita.

A equipe carioca conta com o fator casa e com algo raro no esporte: ter, no banco, alguém que é ao mesmo tempo técnico e psicólogo. "No alto rendimento, só conheço, além de mim, o Fernando Diniz. Costumo dizer que sou um psicotécnico", brinca o treinador.

Assim como o técnico do Fluminense, Raphael também foi atleta profissional ? mas por pouco tempo. Tão logo chegou ao adulto, pendurou o tênis para se dedicar à faculdade. Queria ser um dos primeiros psicólogos esportivos do país, nos anos 1990. "O material sobre psicologia do esporte era pouco. Não tinha livro, curso, publicação nacional quase nenhuma", lembra. Fez mestrado, doutorado, e se tornou professor da PUC-RJ, uma das principais universidades do país. Mas nunca deixou de ter ao menos um pé no basquete.

Enquanto ainda era aluno de graduação, foi chamado a fazer estágio como psicólogo em uma escolinha de basquete. Quando o técnico faltava, ele dava treino. Até que o chefe saiu, e ele ficou. Criou a própria ONG, um projeto social que ensinava basquete a garotas carentes do Rio, e levou as meninas do sub-11 até o adulto, chegando ao título da LSB.

Essa sigla já apareceu antes neste texto. A Liga Super Basketball (LSB) é originalmente uma tradicional liga de basquete amador do Rio, que criou um time feminino para jogar a LBF. Campeão da LSB, a liga, Zaremba foi convidado a ser assistente técnico da LSB, o time. E aí sua responsabilidade com o basquete mudou.

"Se eu me satisfizesse com trabalho mediano, ficava mais fácil. Mas eu quero fazer o melhor. Agora tem viagens, tenho que me ausentar da PUC, o que me incomoda, mas essa infelizmente é a realidade do basquete feminino brasileiro. Por outro lado, poucas pessoas têm o privilégio de serem técnicos em uma competição nacional, e eu tento fazer o meu melhor. Tento ser o melhor professor, o melhor psicólogo, e como técnico não é diferente", diz Zaremba.

AULAS COM BERNARDINHO

Na PUC, Raphael é professor nas áreas de Psicologia do Esporte, Empreendedorismo e Dinâmica de Grupo. Em um dos seus cursos, dividiu aulas com Bernardinho, famoso não só pela brilhante carreira como treinador de vôlei, como por sua atuação como palestrante motivacional e empreendedor. Os dois ficaram amigos e o Raphael foi convidado a ser psicólogo do time de Bernardinho, paralelamente ao trabalho como assistente técnico da LSB.

"Eu sempre fui um admirador do trabalho do Bernardo como espectador. Quando ele lançou o [livro] Transformando Suor em Ouro, fui dos primeiros a ler. As pessoas veem muito o Bernardinho da beira da quadra, estressado, cobrando, mas não têm acesso aos bastidores. Eu tive esse privilégio, de ver os treinos, a preparação. Para mim, valeu tanto na parte do trabalho de psicologia quanto na parte técnica, pela oportunidade de ver o trabalho de um grande profissional no dia a dia com as atletas."

COACH E TÉCNICO

Em suas redes sociais, Raphael cita que tem certificação internacional em coaching, ainda que não se nomeie como um "coach". À reportagem, contou que fez o curso para acompanhar um antigo sócio, engenheiro, que queria trabalhar na área. Mas ele não nega que boa parte do seu trabalho é similar ao que dizem fazer os coachs. Entre as palestras que disponibiliza, estão: "A mudança a seu favor", "O poder da atitude empreendedora" e "liderando equipes vencedoras".

"O que é o coaching: pegar elementos do esporte e transpor para não atletas. É o que o psicólogo esportivo faz com atletas: estabelecimento de metas, coisas mais por essa linha", comenta. Na beira da quadra, ele é técnico e psicólogo, e acha que o Sodiê/Mesquita ganha com essa combinação.

"Enquanto psicólogo do esporte, falo que o atleta tem que ter quatro competências. Física, técnica e tática. Isso ninguém questiona. E a quarta que é a emocional. Não adianta ter as outras se suas emoções tomam conta durante o jogo e você não coloca em prática o teu físico, a tua técnica e sua tática durante o jogo. O treino é muito importante, estudar o adversário, pensar em estratégias para cada adversário, tudo isso é feito. Só que na hora que a bola sobe, a parte psicológica ganha supremacia e é mais importante que as outras três naquele momento", diz.

Ele continua: "Quando passa a ser o psicológico a prevalecer, tem que ter a consciência de que estamos lidando com seres humanos. Se você consegue colocar num estado de confiança, de estabelecer bom relacionamento, isso traz vantagem competitiva enorme. Não posso mentir e negar que é um dos grandes focos do que eu faço. Trabalhar as relações, autoconfiança. Por causa disso, nas últimas temporadas, a gente venceu partidas que ninguém diria que a gente venceria".

Além de técnico, psicólogo clínico, palestrante e professor, Raphael também é ator. Faz teatro e participou recentemente de duas novelas da Globo, fazendo pontas em Além da Ilusão e Cara e Coragem. "Apareci em um jogo de barba feita e estranharam. Aí eu expliquei que era uma novela de época e tinha que cortar". E é também jogador. Disputa a própria LSB, por três times diferentes, nas categorias +40, +45 e máster, aberta a todas as idades.


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