SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não faz muito tempo, menos de dez anos, que o futebol da China ganhava amplo espaço na mídia ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

Enquanto clubes investiam cifras bilionárias para contratar técnicos e jogadores de renome internacional, o líder chinês Xi Jinping era frequentemente visto chutando bolas em estádios dentro e fora do país.

Tudo fazia parte de um plano, lançado na virada para 2016 e traçado pelo político, para criar uma cultura futebolística e fazer da nação mais populosa do mundo uma "superpotência do futebol" até 2050.

"O futebol passou a ser visto como o principal setor da indústria esportiva capaz de ampliar a geração de riquezas para o país, além de contribuir para o desenvolvimento econômico chinês", afirma Emanuel Leite, pesquisador associado da International College Football of Tongji University, de Xangai.

Como tradicionalmente a China teve mais sucesso no futebol feminino, Xi tinha ambições especialmente para a seleção masculina: obter vaga na Copa do Mundo, sediar o torneio e conquistá-lo.

Não são tarefas fáceis para uma nação que participou da competição apenas vez, em 2002, e figurava fora do top 70 do ranking da Fifa quando o plano foi revelado -hoje, está em 81º lugar. A solução do governo foi fazer um investimento pesado.

Para dar suporte às metas, conglomerados, construtoras e incorporadoras estatais chinesas, inflados por um boom no mercado imobiliário, encheram de dinheiro o principal campeonato doméstico do país, fazendo a CSL (Chinese Super League) rivalizar com as maiores ligas da Europa em termos de dinheiro investido.

No ápice da temporada de 2015/16, foram gastos US$ 451 milhões (cerca de R$ 2,3 bilhões em valores da época) em transferências de atletas, fazendo o torneio figurar entre as cinco ligas com maior investimento no mundo.

Parecia não haver limites para o sonho chinês, do qual fizeram parte técnicos campeões do mundo, como Luiz Felipe Scolari e Marcelo Lippi, e jogadores como Lavezzi, Hulk, Renato Augusto e Paulinho, todos eles atraídos por vultosos salários.

Tão rápida quanto a ascensão foi a queda. Decisões financeiras ruins, casos de corrupção em diversas esferas do esporte, além da crise financeira agravada pela pandemia de Covid-19, abalaram severamente as estruturas do futebol no país nos últimos três anos.

Neste fim de semana, a temporada 2023 da CSL começa com 16 equipes, duas a menos do que na última edição, como resultado das exclusões de Kunshan FC e Guangzhou City. O primeiro renunciou à vaga por sua situação financeira, e o segundo não foi aprovado na etapa de admissão pelo mesmo motivo.

Os dois casos não são exceções. Em 2021, o Jiangsu surpreendeu ao também encerrar as suas atividades logo após a conquista da CSL em razão da crise financeira da Suning, sua principal acionista.

A pandemia de Covid-19 apenas acelerou um processo que já estava em curso, uma vez que não houve um crescimento sustentável da liga chinesa.

"Para atrair grandes nomes para uma liga sem muita competitividade, os clubes ofereciam salários muito altos. Maiores do que a capacidade de geração de receitas. Existia o incentivo do governo e das empresas, mas a conta não fechava", diz Pedro Daniel, diretor executivo de esporte da empresa de consultoria EY.

Com a pandemia, as fontes de receitas ficaram ainda mais escassas. Devido à política "zero Covid" do governo chinês, os campeonatos passaram os últimos três anos organizados em bolhas "biosseguras", o que tirou as torcidas dos estádios e restringiu o convívio dos atletas com seus familiares. Como reflexo, muitos estrangeiros deixaram o país.

Além disso, mudanças nas regras financeiras da liga, como multas para a utilização de atletas estrangeiros que dobravam seu custo, fizeram com que as grandes contratações praticamente cessassem. Com poucas estrelas, tornou-se mais difícil elevar o nível técnico dos atletas locais.

No auge da crise, nem os maiores clubes escaparam do baque. Em 2021, depois do colapso do grupo Evergrande, que desencadeou a pior crise do mercado imobiliário já registrada no país, o Guangzhou Evergrande não conseguiu pagar integralmente os salários dos jogadores. Em 2022, caiu para a segunda divisão.

O declínio dos clubes e o fracasso na tentativa de elevar o nível técnico prejudicaram a meta de Xi Jinping de ver sua nação de volta à Copa do Mundo. A ausência no Qatar foi a quinta consecutiva da China no maior palco do futebol.

A seleção chinesa tentou uma espécie de evolução artificial, buscando atletas nascidos e criados no exterior. A naturalização acelerada gerou situações controversas, como a de cinco brasileiros que ganharam a cidadania sem nenhuma ascendência chinesa.

Eles receberam novos nomes: Fernando tornou-se Fei Nanduo, Aloisio virou Luo Guofu, Elkeson era chamado de Ai Kesen, Ricardo Goulart de Gao Late e Alan Carvalho de A Lan. Durante a pandemia, no entanto, eles deixaram o país e o convite para trás.

Não foram deixados de lado, no entanto, os planos do governo chinês. De acordo com o pesquisador Emanuel Leite, Xi Jinping está convencido da importância geopolítica do futebol e continuará a buscar soluções para alcançar seus objetivos.

"O futebol serve como uma ponte, que estabelece ligações, conexões e, consequentemente, negócios", diz Leite, autor do livro "China, Futebol e Desenvolvimento: Socialismo e Soft Power".

Para ele, a melhor forma para o país asiático suprir suas carências no esporte é buscar intercâmbios com parceiros como o Brasil. "Nós temos a expertise na formação de atletas, e há uma demanda enorme na China por aprender."


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