SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O combate ao racismo e a criação de políticas públicas para a população negra na Espanha são prejudicadas pela ausência de dados estatísticos sobre o perfil dos afrodescendentes no país, apontam ativistas negros e estudiosos do tema. Diferentemente do que ocorre no Brasil, o governo espanhol não inclui em seu censo perguntas sobre autodeclaração de raça/etnia.
Estudo coordenado em 2020 pelo antropólogo Fernando Barbosa Rodrigues, da Universidade Complutense de Madri, estimou em 700,6 mil os afrodescendentes na Espanha, cerca de 1,5% da população do país. Mas é um levantamento de valor científico relativo, e sem a chancela do INE (Instituto Nacional de Estatística, o IBGE espanhol) para que possa lastrear políticas públicas, leis e necessidades específicas dessas comunidades.
Quase todos os países europeus têm a mesma lacuna (Reino Unido, Irlanda e Finlândia são exceções). Alega-se proteção de dados dos indivíduos, e não existem leis que obriguem a coleta dessas estatísticas. A origem do problema remete principalmente aos traumas do Holocausto e à perseguição ou discriminação, na Europa, a judeus, muçulmanos e minorias que habitam há séculos o continente, como os ciganos -comunidades contrárias a recolher e detalhar as estatísticas étnico-raciais. Em contrapartida, a comunidade europeia de afrodescendentes defende a coleta e o uso desses dados.
"Se você não pode medir, não pode consertar", sintetizou o advogado Daris Lewis, da rede Equinet (European Network of Equality Bodies), baseada em Bruxelas, que atua com instituições e governos europeus na promoção de políticas igualitárias. Segundo ele, a consequência desse apagão estatístico é a falta de informação oficial sobre a situação e as experiências de discriminação e racismo sofridas por afrodescendentes e minorias étnicas.
"A maneira mais eficiente e economicamente viável de avaliar o impacto e a implementação da legislação e das políticas antidiscriminação seria coletar e analisar dados diretos sobre origem racial e étnica em censos e pesquisas nacionais. A União Europeia tem poderes para, se quiser, combater a discriminação com base na origem racial e étnica", afirmou Lewis à Folha de S.Paulo.
O advogado apontou a complexidade da questão, lembrando casos em que governos colheram à força impressões digitais de ciganos. Ele lembrou que, após os ataques de 11 de setembro de 2001, aumentaram a discriminação e a perseguição policial contra muçulmanos, levando essas comunidades a recear fornecer seus dados às autoridades.
A maior parte dos países europeus, explica Lewis, coleta estatísticas populacionais com base no idioma, no local de nascimento (dos pais do entrevistado) e em antecedentes migratórios.
"Esses dados são considerados objetivos e funcionam como marcadores étnico-raciais, ou seja, como indicadores indiretos de origem racial e étnica. A característica comum é que, via de regra, essas categorias foram adotadas sem consulta à comunidade", disse Lewis.
"O problema de levantar esse tipo de dado (origem migratória, língua etc.) é que hoje existem muitas pessoas de cor ou etnia que podem fazer parte de uma terceira geração, cujas experiências de discriminação estão totalmente excluídas dessas estatísticas."
Autora de estudos sobre o tema, a advogada e pesquisadora húngara Lilla Farkas observa que os europeus coletam dados sobre a discriminação racial "geralmente baseados nas percepções dos perpetradores, enquanto, exceto principalmente para os negros, os grupos racializados não desejam se identificar de acordo com uma paleta de cores como no Brasil".
"Judeus e ciganos muitas vezes resistem à coleta de dados, que está disponível para os últimos na Europa Oriental. Os muçulmanos são um grupo étnico-religioso, o que complica a categorização. Em outras palavras, a Europa é diferente do Brasil, assim como dos Estados Unidos, tanto em composição étnica quanto em atitudes em relação às minorias", declarou Farkas, professora da Universidade Elte Takte de Budapeste e investigadora da ONG belga Migration Policy Group.
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