SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A execução do hino russo com os jogadores perfilados lado a lado, alguns com a mão direita no lado esquerdo do peito, significava que as definições de futebol alternativo haviam sido atualizadas.
Em maio de 2023, a seleção russa sub-17 viajou a São Paulo para participar de torneio não chancelado por Fifa (Federação Internacional de Futebol), CBF (Confederação Brasileira de Futebol) ou FPF (Federação Paulista de Futebol) e enfrentou o Nacional no tradicional estádio da rua Comendador Souza, na capital paulista.
"Eu queria ver isso. Mas resolveram fechar os portões", queixou-se Manoel Martins, aborrecido e inconformado, sentado à mesa de bar vizinho à entrada da arquibancada.
A mesma irritação foi vista na torcida do Flamengo de Guarulhos, que recebeu a equipe europeia no último sábado (27). O site do clube anunciou, na semana passada, que a partida seria realizada com entrada gratuita. Torcedores foram proibidos de entrar a pedido do cônsul-geral da Rússia em São Paulo, Vladimir Tokmakov, disseram dirigentes.
O diplomata deu o pontapé inicial no jogo disputado no estádio Antônio Soares de Oliveira, vencido pela Rússia por 3 a 1. Na segunda-feira (29), na Comendador Souza, foi um massacre: 7 a 0.
"A opção que temos é jogar futebol no Brasil", respondeu, seco e por meio de um tradutor, o técnico da seleção sub-17, Denis Pertvushin.
Em situações normais, seus atletas deveriam estar em Budapeste jogando a Eurocopa da categoria. A Rússia ganhou o torneio em 2006. Já havia feito o mesmo em 1985, quando o torneio ainda era sub-16.
O futebol do país europeu está suspenso pela Fifa por causa da invasão à Ucrânia e da guerra em andamento. As equipes nacionais não puderam participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. A seleção foi retirada da briga por vaga para a Copa do Mundo no Qatar, no ano passado.
Na próxima sexta-feira (2), data da final da Eurocopa, será definida também a Copa Brics, torneio organizado pelo Fórum Internacional dos Municípios Brics. A entidade, não ligada a governos, pretende promover intercâmbio e cooperação entre os países do bloco. A sigla significa a aliança comercial entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A organização técnica é feita pelos responsáveis pela Paulista Cup, torneio alternativo, não reconhecido pela FPF, que ocorre todos os anos na capital.
Apesar da sigla do bloco, não há times da Índia, da China e da África do Sul, apenas do Brasil e da Rússia, Além da seleção, está no Brasil o Zenit, de São Petersburgo.
"Temos interesse de times de 15 países que querem participar no próximo ano", afirmou Devanir Cavalcante, embaixador do Fórum Internacional dos Municípios Brics. Ele também é subsecretário de Cultura em Guarulhos, uma das cidades que cedem estádios para a competição.
O investimento para a realização não é alto. As equipes brasileiras são todas paulistas, da capital (Nacional, Juventus, Corinthians e Palmeiras), da Grande São Paulo (Flamengo) e do litoral (Santos). De acordo com Cavalcante, quando a seleção russa e o Zenit aceitaram o convite, comprometeram-se a pagar as próprias despesas.
Eles são a atração. O único público presente nos estádios é composto por organizadores, alguns olheiros, funcionários e convidados do consulado. Isso fez com que, no Nicolau Alayon, fosse falado mais russo do que português.
A restrição é pelo medo de protestos por causa da guerra na Ucrânia.
Para autoridades russas, trata-se de uma chance de times do país jogarem no exterior, levarem a imagem da Rússia e driblarem o embargo a competições internacionais. Mesmo que isso se dê em situações às quais não estão acostumados. O atacante Viktor Okishor citou o estado do gramado no estádio do Nacional. Buracos e trechos cobertos com terra eram visíveis. As bolas não pareciam novas.
Cavalcante afirma existir a ideia para um torneio de pré-temporada, no Qatar, com a presença de elencos profissionais de clubes brasileiros e de outras nações dos Brics. Ele disse já ter mantido contato com dirigentes de Santos e Flamengo. Seria algo nos moldes da Florida Cup, nos Estados Unidos. Os times não confirmam as conversas.
As presenças da seleção russa e do Zenit foram o que atraiu Palmeiras e Santos.
"Nosso sub-17 está na semifinal da Copa do Brasil, o sub-20 está na Holanda e o sub-15 também vai para a Europa. O sub-15 está na Premier Cup, na Granja Comary. Então, é uma ótima oportunidade para os atletas do sub-16, até porque não buscamos resultado. O torneio é bom, ele te permite jogar contra a seleção russa, contra o Zenit... Isso é importante para os nossos jogadores", analisou João Paulo Sampaio, coordenador da base do Palmeiras.
A experiência futebolística tem sido novidade para os jogadores russos, mas eles a têm vivido de maneiras diferentes. Os do Zenit foram a Santos para conhecer o CT do clube e visitaram o Museu Pelé. Foram levados à praia na cidade e entraram no mar. Avisados da temperatura da água, deram risada porque frio mesmo é na Rússia, responderam. Seriam levados ainda para visitar uma favela.
Os meninos da seleção estão o tempo todo trancados no hotel. Só saem para treinos e jogos. Como se estivessem na Eurocopa.
"Até agora não conseguimos conhecer nada. Isso fica para depois", disse Okishor, fã principalmente de Vinicius Junior, para ele, o melhor do mundo.
Mesmo com a goleada, a partida já está na história do Nacional. Em 118 anos (a origem da agremiação é o São Paulo Railway), o clube atuou poucas vezes contra adversários internacionais, ainda mais em casa. No profissional, a única partida foi na década de 1990, contra o Yomiuri, do Japão (hoje em dia Tokyo Verdy).
Só quem não gostou muito do amistoso e se queixou foi o funcionário do estádio, encarregado de abrir a porta para o pequeno público russo.
"Eles não dão nem bom dia."
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