SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dono de uma cooperativa de vans em Santa Luzia, no interior do Maranhão, Eudes Rodrigues chegou em casa e encontrou o vizinho sentado na calçada vendo crianças jogarem futebol na rua. Ele o chamou e apontou para uma menina que corria com a bola nos pés.
"Eudes, você já reparou como a sua filha faz bem todos os fundamentos? Senta aqui e vê."
Ele atendeu ao pedido. Foi o momento em que começou a trajetória da atual artilheira do Campeonato Feminino, Eudimilla de Souza Rodrigues. Com sete gols em sete rodadas em 2023, ela tem média de um por jogo.
Eudes prometeu então que, todas as manhãs, começaria a treinar com a filha. Se ela era boa e tinha potencial, por que não? Mas teria de ser cedo, antes do trabalho, por volta das 6h. Poderia ser um problema. Não foi.
Às 5h30, a menina já o tirava da cama.
"Hoje em dia, ele continua acompanhando todos os meus jogos. Corneta que só? Mas está sempre ali", sorri a atacante.
Aos 24 anos, ela faz parte do elenco da Ferroviária que enfrenta maratona de jogos. Além da fase de classificação do torneio estadual, disputa também o mata-mata do Campeonato Brasileiro. A equipe derrubou o Internacional com duas vitórias (1 a 0 e 3 a 0) e avançou no último domingo (25) às semifinais do Nacional.
O primeiro jogo havia sido realizado no domingo anterior (18), no Sul. A delegação chegou a São Paulo na segunda-feira à noite (19). Na quarta-feira (21) pela manhã, voltou a entrar em campo. Venceu o Taubaté por 3 a 2 pelo Paulista e começou a se preparar para castigar o Inter outra vez.
Nesta quarta (29), a equipe enfrenta o Red Bull Bragantino, em casa, às 15h.
"Tem sido exigente. Há o cansaço da viagem, dos jogos... A gente mal chega de viagem, descansa um pouco e já tem outra partida. Mas também vai entrando em um nível de jogo [alto], mais adequado ao que é exigido", explica.
No Brasileiro, ela tem três gols anotados.
"Isso é consequência do tempo de jogo. No Paulista, tenho mais minutos em campo."
Eudimilla dá de ombros para o cansaço. Ela estava acostumada a jogar todos os dias, sempre como titular, em equipes só de meninas ou também com meninos. Era assim em Santa Luzia (cerca de 300 km de São Luís). Para ter a primeira chance em um clube de verdade, viajou mais ainda: foram 3.300 km até Chapecó para passar por período de testes da Chapecoense. Foi aprovada.
Ela teve sorte. Ao contrário de gerações anteriores ou de outras colegas de elenco, não teve de enfrentar resistências familiares para jogar futebol. Tudo o que encontrou foi apoio. Quando o pai não podia acompanhá-la até os 15 anos, quando foi para Santa Catarina, sempre havia alguém para não deixá-la sozinha.
Além de pais, familiares e amigos, ela sempre teve os gols. Eudimilla jamais foi outra coisa além de atacante. Colocar a bola na rede a fez ir para a base da Chapecoense e ser observada pelo Grêmio. Aos 18 anos, assinou o primeiro contrato profissional e se mudou para Porto Alegre.
"O gol sempre foi meu objetivo. Sempre. É uma sensação maravilhosa marcar gols. É o que mais mexe comigo. Ver a bola na rede é um momento que me faz desfrutar como nenhum outro. Amo", diz.
É um caminho que ela também espera que a leve, no futuro, para a seleção brasileira. Quem sabe, na Copa do Mundo em 2027, com sede ainda a ser definida. Uma das possibilidades é o Brasil.
A que começa no próximo mês, ela vai ver pela televisão, mas feliz pela atenção que tem despertado no público. Um sinal do crescimento do futebol feminino, acredita.
"Para mim, que saiu de um lugar em que não havia visibilidade nenhuma, onde tudo era muito difícil, ver aonde o futebol feminino está chegando, as portas que está abrindo, é muito bom. É algo que as gerações passadas construíram, um caminho bem bonito a que nós agora damos continuidade. Pode chegar a minha vez. Todo atleta que faz isso tem esse sonho [da Copa do Mundo}. Então, acredito. Quem sabe, não é?"
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