SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há uma Copa do Mundo sendo jogada também fora de campo. Com a perspectiva de audiência recorde na história do torneio, jogadoras e entidades de atletas brigam pela igualdade financeira em relação aos homens.

Das 32 seleções que disputam o torneio iniciado na última quinta-feira (20), em pelo menos seis há disputas públicas por dinheiro. Outras equipes, consideradas menos expressivas, nem sequer pagaram para suas convocadas participarem das eliminatórias. Estudo do Fifpro, o sindicado internacional de futebol, diz que cerca de 30% das que atuaram nas partidas qualificatórias fizeram isso de graça.

A audiência estimada para o Mundial deste ano é de mais de dois bilhões de espectadores. Cerca de 500 milhões a mais do número divulgado há quatro anos, quando a competição foi sediada pela França.

"Não colocar em prática nenhum sistema de compensação financeira é algo absurdo. Elas são profissionais ou deveriam ser e sacrificam muito para jogarem pelas suas seleções. A Copa do Mundo deveria ser o ápice da carreira delas também na questão financeira", defende Jonas Baer-Hoffmann, secretário-geral da Fifpro.

Há queixas contra federações que não estão entre as mais endinheiradas da modalidade, como Nigéria e Jamaica, mas as ricas também são acusadas de mesquinhez.

A Federação Inglesa avisou que não vai pagar diárias para as jogadoras porque a Fifa vai dar, segundo o presidente Gianni Infantino, pelo menos US$ 30 mil (R$ 143 mil pela cotação atual) para cada uma que disputar o torneio. As 23 convocadas divulgaram um comunicado em conjunto falando sobre a "decepção" com a situação, mas concordaram em deixar o assunto para depois por causa da proximidade da estreia contra o Haiti, neste sábado (22).

Torcedores jamaicanos abriram diferentes vaquinhas virtuais para juntar dinheiro para o elenco da seleção. Nas eliminatórias, elas relataram problemas com voos e acomodações sofríveis. A situação financeira precária da equipe fez com que as nigerianas ameaçassem boicotar a Copa do Mundo.

As sul-africanas, ao saberem que recebem apenas 10% do que é pago aos jogadores da seleção masculina, recusaram-se a jogar um amistoso preparatório para o Mundial. Pelo balanço divulgado pela própria Federação Canadense, a entidade gastou, em 2021, US$ 11 milhões (R$ 52,4 milhões hoje em dia) com os homens e US$ 5,1 milhões (R$ 24,3 milhões) com as mulheres.

A equipe feminina do Canadá é uma das mais fortes do planeta e foi medalha de ouro nas Olimpíadas de Tóquio. O masculino disputou duas Copas do Mundo em sua história, a última em 2022. Foi eliminada na fase de grupos em ambas e sem vencer nenhuma partida.

As australianas pediram, em conjunto, o fim da desigualdade financeira de gênero no futebol e criticaram a infraestrutura disponível para a seleção.

Mesmo o pagamento mínimo da Fifa para as atletas passou a ser questionado. Depois de anunciar com fanfarra a novidade, na última quinta-feira Infantino explicou que, na verdade, o dinheiro será repassado para cada federação nacional, que ficaria encarregada de distribuir a quantia às atletas. A entidade dá US$ 1,5 milhão (R$ 7,1 milhões atualmente) por ano para cada país para desenvolver o futebol feminino, mas não há qualquer fiscalização de como o dinheiro é empregado.

"Há mulheres de várias seleções que estão no limite", define Chiyelu Asher, da seleção jamaicana e integrante do conselho do Fifpro.

Segundo estudo do sindicato, na média, as jogadoras convocadas para a Copa deste ano recebem cerca de 75% a menos do que os homens que foram ao Mundial do Qatar. Para cada dólar que eles embolsaram, elas tiveram o correspondente a US$ 0,25.

Pelos números da Forbes, o maior salário do futebol feminino é das norte-americana Alex Morgan e Megan Rapinoe. São US$ 5,7 milhões por ano para cada (R$ 27,2 milhões). O contrato mais lucrativo no masculino é o de Cristiano Ronaldo com o Al Nassr, da Arábia Saudita: US$ 136 milhões (R$ 648,6 milhões).

Segundo a Fifa, a premiação para a Copa deste ano será recorde na modalidade, mas ainda não se aproxima do que foi distribuído no ano passado. Dos US$ 300 milhões (R$ 1,4 bilhão), segundo a revista Forbes, que a entidade espera arrecadar com a competição, US$ 110 milhões (R$ 524,6 milhões) serão dados às seleções -o valor varia de acordo com a colocação. Quem cair na fase de grupos vai embolsar US$ 2,3 milhões (R$ 11 milhões). A seleção campeã terá direito a US$ 10,5 milhões (R$ 50 milhões).

O salário anual de Infantino para comandar a Fifa é de US$ 3,9 milhões (R$ 18,6 milhões).

A Argentina, por vencer no Qatar em 2022, ficou com US$ 42 milhões (R$ 200 milhões). A Fifa divide entre as seleções masculinas US$ 400 milhões (R$ 1,9 bilhão). A arrecadação com o torneio foi estimada em US$ 7,5 bilhões (R$ 35,7 bilhões). As reservas da organização máxima do futebol são de US$ 4 bilhões (R$ 19 bilhões).

No ano passado, a seleção feminina dos Estados Unidos conseguiu acordo com a federação para igualar o pagamento ao masculino. Estimativa do jornal USA Today é que as jogadoras que participaram das eliminatórias para o torneio na Austrália e Nova Zelândia tiveram direito a US$ 120 mil cada (R$ 572,3 mil), um valor 68% maior ao de de 2019.

Espanha e País de Gales (que não se classificou) são outras duas nações que igualaram o dinheiro distribuído entre homens e mulheres.

São exceções. Pelos números da Fifa, 53% dos países não possuem normas que determinem salário mínimo para as jogadoras. Dos 225 clubes registrados em 25 ligas nacionais, 23% contam com atletas amadoras, que não recebem nada para jogar.

Questionado na última quinta-feira sobre a disparidade no dinheiro das Copas do Mundo de homens e mulheres, Infantino afirmou que só quer falar sobre coisas boas até o final do torneio na Austrália e Nova Zelândia.

"Até 21 de agosto, vocês vão ouvir apenas coisas positivas sobre todos os assuntos e todas as pessoas. Se alguém ainda não está feliz sobre algo, sinto muito. Estou feliz com tudo e amo a todos", desconversou.


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