SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Confortável e relaxada, Ana Marcela Cunha fala bem e sem parar. O sotaque é uma mistura da Bahia, onde nasceu, e do Rio de Janeiro, o local que escolheu viver nos últimos anos. Isso está prestes a mudar. Seu ciclo olímpico --que, segundo ela, pode ser o mais especial da sua vida-- será finalizado na Itália.

A nadadora sete vezes eleita melhor do mundo vai morar em Roma e treinar com o italiano Fabrizio Antonelli. Ele é líder da equipe de Gregorio Paltrinieri, atual campeão mundial dos 10 km em águas abertas e medalha de ouro nos 1.500 m livre nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

A troca de técnico, de cidade e de país são algumas das guinadas em sua vida, mas não as únicas. Não à toa, em entrevista, ela fala de "ciclos", em deixar para trás "a zona de conforto". Tudo tem um motivo. O dela é fazer as coisas do seu jeito. A atleta tem a certeza de que há um caminho para viver, aos 31 anos, de maneira mais leve, feliz, e, ainda assim, continuar a ser a mesma: a maior atleta da história da natação feminina brasileira.

"Falta um ano para a Olimpíada [de Paris]. Pensei: 'Se meu objetivo é esse, tenho de sair da zona de conforto, preciso buscar alguma coisa diferente'. Depende, lógico, do trabalho do técnico, mas depende muito do meu trabalho, de quanto eu acredito e de quanto vou me empenhar para isso", afirma.

A nadadora da Unisanta encerrou, de maneira repentina, a parceria com Fernando Possenti, do COB (Comitê Olímpico do Brasil), seu treinador na conquista da medalha de ouro da maratona aquática nos Jogos de Tóquio, em 2021. Uma decisão que pegou de surpresa dirigentes e companheiras de equipe.

Não é difícil perceber que seu desejo de treinar, competir e vencer é imutável. Mas o plano é fazer isso em outro ritmo. Possenti, conhecido na natação pela cobrança e pela exigência às vezes vistas como exageradas, foi quem cochichou no ouvido de Ana Marcela, segundos após ela ter vencido o ouro olímpico: "Agora só falta ganhar os 10 km do Mundial".

"Tem de ser leve, tem de ser gostoso. Tem de ser legal. Eu estou com 31. Sei o que é preciso e entendo isso muito bem. Como é para chegar [aos Jogos]? Como é para ser a melhor do mundo, para vencer mais um ouro olímpico? A gente sabe o processo, mas, quando vai ficando mais velha, entende também o nosso limite de tudo. Então, acho que é muito isso o que tenho procurado", diz.

Ana Marcela tem ojeriza à possibilidade de voltar ao que viveu no ano passado: a dor, o estresse e o sofrimento que a levaram à mesa de cirurgia. Em novembro de 2022, operou o ombro. Passou por intervenção no tendão subescapular, que estava rompido, e no supraespinhal, lesionado.

Antes, a dor era sua companheira de todos os dias. Desconforto que só era amenizado com medicamentos.

"O pós-cirurgia foi o momento de eu falar: 'Caramba, é possível ainda estar no alto rendimento sem dor!'. É um estresse por que não quero passar mais. É sentir dor todo dia, como uma agulha no seu ombro. Algo que você nunca sentiu na vida e não consegue controlar, só tomando remédio para melhorar. Não é assim que eu quero."

Se a mudança de cidade, país e técnico e a cirurgia não estavam planejadas, outros ciclos, sim. Como o casamento com a preparadora física Juliana Melhem, em março deste ano. Era algo que já estava no calendário havia muito tempo. E foi organizado nos mínimos detalhes.

"Sou muito chata com relação a isso."

Mesmo com o desejo de que tudo seja mais leve, com menos pressão e do seu jeito, Ana Marcela voltou a nadar antes do esperado depois da cirurgia. Em maio, foi medalha de bronze na Copa do Mundo em Soma Bay, no Egito. Não é que o resultado foi surpreendente. A mera presença da brasileira deixou as adversárias boquiabertas. A certeza geral era que ela não nadaria em 2023.

"Quando cheguei, elas me viram e perguntaram o que eu estava fazendo ali."

Seu bronze nos 5 km em Fukuoka, no Japão, em julho, representou o único pódio brasileiro no Mundial de esportes aquáticos.

Ela ainda tem algumas chances de garantir a vaga nos Jogos Olímpicos do ano que vem, algo sobre o que não há muita dúvida. Se for a Paris e voltar a vencer, será a medalha mais especial de todas. Será um final de ciclo em que a nadadora vai se sentir feliz com tudo o que tem feito. E mais leve.

"Eu amo competir. Amo essa adrenalina. Amo estar ali, brigando com as melhores do mundo. Mas não preciso provar mais nada para ninguém."


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