SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Aqui é Corinthians, entendeu, mano?", disse um torcedor, com o dedo em riste, enquanto o jovem Marcelinho, 23 anos, era apresentado no Parque São Jorge, em 1994. A ideia era lhe mostrar que a realidade era bem diferente da que ele conhecia no Flamengo, de onde acabara de sair por apenas US$ 500 mil.

Três décadas, 433 jogos, 206 gols e oito títulos relevantes depois, parece seguro dizer que o carioca entendeu. Eternizado no clube em forma de busto, tem também o time alvinegro na pele, em uma tatuagem. Isto é, na primeira pele. A segunda pele, acostumou-se a dizer, era a própria camisa preta e branca.

Marcelinho, 51, que reapareceu após caso tratado como sequestro pela Polícia Civil de São Paulo, está entre os maiores ídolos da história do Corinthians. Dono de talento inquestionável, mostrou enorme poder de decisão para liderar a equipe em um de seus momentos mais vitoriosos. Mostrou também uma personalidade difícil e enorme facilidade para questionar desafetos.

Enquanto marcava belos gols, irritava companheiros e treinadores com suas atitudes. Considerado individualista, teve notórios embates com colegas como Edílson e Rincón. Pior foi com Ricardinho e com o técnico Vanderlei Luxemburgo, o que acabou provocando sua saída da agremiação em 2001.

A essa altura, já havia batido na Europa e voltado, em curta passagem pelo Valencia, onde sua personalidade não foi bem recebida. Também por seu jeito, jogou bem menos na seleção brasileira do que sugeriria seu talento e não teve a oportunidade de disputar uma Copa do Mundo -só isso pode explicar sua ausência em 1998.

Com a Fiel, de maneira geral, a relação foi ótima. Se irritava os detratores com seus discursos de louvação a Jesus, tidos por eles como oportunistas, ganhou a torcida com uma movimentação ágil, com ampla visão de jogo e com uma batida na bola impressionantemente precisa, que fez dele um dos maiores batedores de falta da história do futebol.

Marcelinho soube também usar o apreço que têm os torcedores do Corinthians pela raça. Assim, aliou a técnica excepcional a uma capacidade marqueteira de receber aplausos com carrinhos no vazio, em caricata demonstração de esforço com a bola fora do alcance. Falava "segunda pele" e, em troca, ouvia "uh, Marcelinho!".

O visto definitivo de entrada no coração dos alvinegros foi obtido em 1995, com a conquista do Campeonato Paulista em cima do Palmeiras. O arquirrival havia vencido três finais seguidas contra a formação preta e branca, que estava atrás no placar novamente. O camisa 7, então, acertou falta no ângulo, sobre a cabeça do atacante Müller, que, em vão, tentava ajudar o goleiro Velloso.

Foi o primeiro de quatro títulos estaduais pelo Corinthians. O craque comandou também o Corinthians em um triunfo na Copa do Brasil e dois no Campeonato Brasileiro. Se não conseguiu a Copa Libertadores que buscava -perdeu pênalti decisivo em semifinal contra o Palmeiras-, esteve entre os campeões do primeiro Mundial de Clubes organizado pela Fifa, em 2000.

Marcelinho jogou por outros clubes, sem repetir o brilho demonstrado enquanto vestia a segunda pele, e ainda voltou para uma breve e não muito produtiva passagem final pelo time do Parque São Jorge, em 2006. Fez ainda uma partida de despedida em 2010, antes de encerrar sua carreira de jogador.

Mas não de encerrar suas polêmicas e posicionamentos contraditórios. Aventurou-se na política e chegou a ser candidato a diferentes cargos por PSB (Partido Socialista Brasileiro) e PT (Partidos dos Trabalhadores). Depois, esteve em diversos partidos e posou em 2020 com o então presidente Jair Bolsonaro, à época sem partido, entregando-lhe camisa do Corinthians.

Formado em jornalismo, passou a exibir ao microfone o habitual apreço pelas polêmicas. E não fez a menor questão de estabelecer uma pose imparcial, como fazem outros ex-jogadores que se tornam comentaristas e tentam minimizar a ligação com um clube específico. Marcelinho, a cada oportunidade, brada: "Corinthians minha vida, Corinthians minha história, Corinthians meu amor".


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