SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Morten Soubak chegou calado a um dos vestiários da Kombank Arena, em Belgrado, há dez anos, onde seria realizada a final do Mundial feminino de handebol. Treinador da seleção brasileira, o dinamarquês carregava uma volumosa sacola, da qual retirou 16 medalhas prateadas, distribuindo-as entre as atletas: "Satisfeitas?".
Era uma referência ao favoritismo da anfitriã Servia naquela decisão, em 22 de dezembro de 2013. A imprensa internacional apontava essa vantagem das donas da casa, e o histórico corroborava a visão. Só uma equipe não europeia ?a Coreia do Sul, em 1995? havia vencido a competição, realizada desde 1957.
"Vocês não têm coragem de pegar este ouro", prosseguiu Soubek, exibindo medalha de outra cor. "Estão com medo, e as adversárias sabem disso", provocou.
Duda Amorim, que seria eleita a melhor jogadora do torneio, investiu contra o treinador, para tomar dele o símbolo da vitória. Suas companheiras a seguiram. Risos e gritos de incentivo tomaram o ambiente.
Algumas horas depois, o placar apontava 22 a 20 para o time tido como azarão, e o hino nacional brasileiro calava os mais de 19 mil sérvios presentes.
O Brasil celebra nesta semana uma década da marcante conquista, que teve auxílio austríaco. Reconhecendo a deficiência de sua liga, a CBHb (Confederação Brasileira de Handebol) firmou em 2010 convênio com o Hypo Niederösterreich, tradicional clube feminino da Áustria, e lhe enviou seus principais talentos.
Grandes nomes do país já faziam sucesso na equipe, caso da ponta Alexandra Nascimento, considerada uma das melhores jogadoras da última década. "Essa estratégia de internacionalizar nossas atletas foi fundamental para o sucesso daquela geração", avalia o atual presidente da confederação, Felipe Rego Barros.
Morten Soubak também chegou à seleção naquele período, após vitoriosos anos no Esporte Clube Pinheiros.
Os resultados começaram a aparecer em 2011, quando o Mundial foi realizado em São Paulo. O time verde-amarelo passeou em seu grupo, com vitórias sobre Cuba, Tunísia, Japão e as tradicionais França e Romênia. Na sequência, nas oitavas de final, tranquilo triunfo sobre a Costa do Marfim.
Classificada de maneira inédita às quartas, a equipe teve duelo épico com a Espanha, adversário conhecido e de estilo de jogo similar ao brasileiro: defesa agressiva e extrema velocidade no ataque. Foi uma batalha de duas prorrogações no ginásio do Ibirapuera, com vitória da formação europeia por 27 a 26.
"Foi muito frustrante", diz a armadora Ana Paula Belo, 36, uma das últimas remanescentes da geração campeã do mundo na atual seleção. "Depois de vencer equipes fortíssimas na primeira fase, estávamos confiantes que ficaríamos entre as quatro em casa."
Ainda que inédito, o quinto lugar teve gosto amargo, sentido novamente nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. O Brasil abriu seis gols de vantagem no primeiro tempo do confronto com a Noruega, na capital inglesa, e voltou a cair nas quartas.
"Depois de um ano e alguns meses, chegamos ao Mundial da Sérvia com um lema: 'Não podemos errar novamente'. Sabíamos que seria a nossa vez, e os resultados foram nos deixando mais confiantes", recorda Ana Paula.
A primeira fase foi perfeita, com vitórias sobre Argélia, China, Japão, Dinamarca e a própria anfitriã Sérvia. Nas oitavas, a vítima foi a Holanda. Chegavam então as temidas quartas. A Hungria, campeã em 1965 e dona de uma das ligas nacionais mais aclamadas da Europa, era a adversária.
Partida dramática. Duas prorrogações. Viradas. Brigas. Placar final: 33 a 31 para o Brasil, que finalmente conquistava lugar entre os quatro melhores do mundo. O time seguiu no embalo, e a finalíssima foi alcançada por meio de uma exibição primorosa em reencontro com as dinamarquesas.
DA EUFORIA AO CAOS
Com nova vitória sobre a Sérvia e o título, as campeãs chegaram ao Brasil na véspera do Natal, com festa no aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Sons de pandeiro se misturavam ao choro de atletas e familiares naquela euforia, que jamais se repetiu.
No Mundial seguinte, em 2015, a seleção caiu nas oitavas, diante da Romênia. Em casa, nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, derrota para ao Holanda nas quartas e despedida de Morten Soubak do comando.
Entre aquele ano e a estreia na edição olímpica seguinte, em 2021, em Tóquio, o handebol brasileiro viveu crise política e perdeu receitas milionárias com a debandada de patrocinadores.
Manoel Luiz de Oliveira, presidente da CBHd desde 1989, foi afastado por determinação judicial, sob acusação de irregularidades em convênios firmados entre a entidade e o Ministério do Esporte. Por isso, Banco do Brasil e Correios ?parceiros desde 2012 e 2013, respectivamente? deixaram de patrocinar o esporte, com perda de quase R$ 15 milhões por ano.
Os problemas tiveram sequência com o vice que assumiu em seu lugar, Ricardo Souza, com novas acusações. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) bloqueou as verbas da entidade enquanto não houvesse eleição de novo presidente. Souza renunciou em dezembro de 2020, e Felipe Rego Barros foi eleito em fevereiro de 2021.
"Além da crise de imagem, recebemos a CBHb em condição financeira dramática. A entidade estava completamente sucateada", relata Barros. Dívidas milionárias, afirma ele, eram cobradas por Receita Federal, COB, ex-funcionários, arbitragem e fornecedores.
A tentativa de reorganizar a parte administrativa foi simultânea a uma fase de renovação do grupo, com a aposentadoria de estrelas. Após a eliminação na fase de grupos em Tóquio, saiu o técnico espanhol Jorge Dueñas, e chegou o pernambucano Cristiano Rocha.
O Brasil voltou a figurar entre os oito melhores no Mundial de 2021 e neste ano confirmou seu domínio nos Jogos Pan-Americanos, com a sétima vitória consecutiva. "O Brasil não pode entrar em quadra apenas para disputar, precisa mirar a vitória", diz o técnico.
No recém-finalizado Mundial de 2023, realizado na Dinamarca, na Noruega e na Suécia, a seleção brasileira ficou na nona colocação. Ainda longe da glória de dez anos atrás, perseguida pela geração que sucedeu Duda e as demais que se recusaram a aceitar a prata.
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