SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Lockhart Stadium, em Fort Lauderdale, na Flórida, nos Estados Unidos, teve seus ingressos esgotados para o confronto desta quarta-feira (21) entre Inter Miami e Real Salt Lake, que abrem a temporada 2024 da MLS (Major League Soccer), às 22h (de Brasília).
O acanhado estádio, com capacidade para 21.550 torcedores, será o palco em que Lionel Messi dará início a sua primeira temporada completa nos Estados Unidos, depois de deixar a França em 2023, quando saiu do Paris Saint-Germain e se despediu do futebol europeu, onde jogava desde 2003.
Embora não pareça ser grande o suficiente para receber um jogador oito vezes eleito o melhor do mundo e o maior astro da última Copa do Mundo, quando levou a Argentina à conquista do tricampeonato no Qatar, em 2022, a casa do Miami teve um público que representa uma importante evolução no futebol dos EUA.
Há quase 50 anos, o país tenta fazer o "soccer" dividir as atenções dos americanos com esportes há muito mais tempo enraizados na cultura norte-americana, como basquete, beisebol e, claro, o futebol americano.
O plano já passou por diversas fases. A etapa mais recente foi iniciada com a chegada de Messi, em junho do ano passado. Em pouco mais de seis meses, a legião de fãs que o argentino é capaz de atrair mostrou sua capacidade de mudar a dinâmica da MLS.
Em novembro, quase três meses antes da abertura da nova temporada, o Inter Miami informou que todos os ingressos para os jogos da equipe em casa no campeonato deste ano estavam esgotados. Também é grande a procura por bilhetes das partidas dele como visitante.
Mesmo com o craque no elenco, trata-se de um feito e tanto na liga, fundada há apenas 30 anos, em 1996, dois anos depois de os EUA sediarem a Copa do Mundo de 1994, quando o Brasil conquistou o tetra.
Para os executivos da MLS, Messi colhe frutos de sementes plantadas em um passado bastante presente nos dias atuais, de quando Pelé desembarcou no país na década de 1970 para jogar na primeira grande liga do país, a NASL (North American Soccer League).
Quando chegou, mesmo sendo o atleta mais conhecido no mundo, o Rei precisou ser apresentado a uma audiência que mal sabia o que era o futebol. Sua presença contribuiu, ainda, para atrair outras estrelas da época, como Cruyff, Eusébio e Beckenbauer, despertando o interesse do país para a modalidade.
"A chegada do Pelé nos anos 70 colocou o futebol no mapa dos EUA", diz à Folha de S.Paulo Alfonso Mondelo, diretor de competição da MLS . "Enquanto Pelé jogava, os jogos do Cosmos estavam lotados em qualquer parte do país. Esse foi o grande legado dele. Ele foi a semente para os jovens que começaram a jogar nos 1980."
Apesar de ser um sucesso, é preciso colocar esse público em relevo. Naquela época, não havia nos EUA estádios específicos para futebol como hoje. Os gramados disponíveis eram de outros esportes.
A estreia de Pelé pelo Cosmos, em 1975, por exemplo, rendeu uma folclórica história. O jogo com o Dallas Tornado foi disputado em um estádio que ficava sob os viadutos de uma rodovia. Para disfarçar o quanto o campo era ruim e esburacado, foi usada uma tinta verde para pintar o gramado.
Depois da partida, o Rei disse que aquele era seu primeiro e último jogo no país porque dependia dos pés para jogar e eles estavam cheios de fungos. Foi quando ele soube da artimanha para maquiar o campo.
Pelé jogou de 1975 a 1977 na NASL, da qual foi campeão no último ano. A liga é considerada a precursora do futebol profissional nos EUA, mas faliu em 2018.
Em cada um dos anos em que atuou na competição, o brasileiro ajudou a melhorar a média de público. No primeiro ano dele por lá, a média geral era de 7.642 torcedores por jogo --menos da metade do público que o Inter Miami terá em seus duelos neste ano. Em 1976, a média da NASL subiu para 10.295. Na temporada de despedida do brasileiro, esse número chegou a 13.558.
Além da presença nos estádios, crescia também o interesse das emissoras de TV. As três temporadas do Rei nos EUA foram exibidas pela CBS, que transmitia um jogo do campeonato por semana, aos domingos.
Embora não se tenha dados precisos sobre os valores dos direitos de transmissão da época, é possível ter uma noção do valor do futebol no país a partir da Copa do Mundo.
Em 1970, dois empresários pagaram US$ 15 mil (US$ 122 mil em valores corrigidos pelo CPI, um índice do mercado dos EUA semelhante ao IPCA --R$ 604 mil na cotação de hoje) pelos direitos do torneio, mas não encontraram nenhuma emissora interessada em exibir as partidas. Eles, então, colocaram as partidas em circuitos internos de TV de locais de eventos, como o Madison Square Garden.
Para efeito de comparação, em 2015, a Fox pagou US$ 425 milhões (US$ 560 milhões, ou, R$ 2,7 bilhões) pelos direitos da Copa do Mundo de 2026, que terá os EUA como sede, juntamente com México e Canadá.
Antes do Mundial, o país ainda vai receber a Copa América deste ano e o novo Mundial de Clubes da Fifa, em 2025. Os americanos também apresentaram uma candidatura para sediar a Copa do Mundo Feminina em 2027 junto com o México.
Também é grande o investimento no futebol local. Um exemplo é o recente contrato celebrado entre MLS e a Apple TV. A plataforma comprou os direitos exclusivos da liga por dez anos, a partir de 2023, pagando US$ 2,5 bilhões (R$ 12,3 bilhões), sendo US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão) por ano.
O valor é quase o triplo dos US$ 100 milhões (R$ 494 milhões) que recebia anteriormente. A contratação de Messi impulsionou esses valores. O argentino tem salário anual estimado em US$ 20 milhões (R$ 98 milhões) por ano, mas o valor não inclui os acordos comerciais que fazem parte do pacote que convenceu ele a fechar com o Miami. Ele terá, por exemplo, uma parcela na venda de assinaturas da Apple TV.
Quando jogou nos EUA, Pelé recebeu US$ 7 milhões (US$ 41 milhões, em valores corrigidos, ou R$ 202,5 milhões) por três anos de contrato. Na época, o valor foi destaque na capa do jornal The New York Times.
O salário de Pelé e de outros astros do futebol que foram para os EUA naquela década, porém, é apontado hoje como o motivo que tornou a NASL uma liga economicamente insustentável, semelhante com o que aconteceu recentemente com o futebol chinês.
Para evitar o mesmo problema, a MLS estabeleceu em seus primórdios um teto salarial para os jogadores. Somente em 2006 é que uma exceção foi criada, com a regra DPR (designated player rule, regra do jogador designado).
Em 2007, o Galaxy anunciou a midiática contratação do inglês fazendo uso dessa regra, que acabaria mais conhecida como "A regra de Beckham" --também utilizada pelo Miami para contar agora com Messi. Estima-se que o inglês tenha faturado US$ 250 milhões ao longo de cinco anos na MLS, da qual foi campeão em 2011 e 2012.
Seu impacto na liga, porém, foi ainda maior. A chegada do então jogador do galáctico Real Madrid elevou a presença de torcedores nos estádios. Quando ele ingressou, a média por partida do campeonato era de 16 mil. No último ano de seu contrato, o número chegou a 19 mil, base que se manteve ao longo dos anos até a chega de Messi, de quem se espera um novo boom.
Para o diretor de competição da MLS, "o futebol nos EUA tem três marcos: o efeito de Beckham não teria sido tão grande sem o Pelé. E o efeito do Messi não seria grande sem Beckham".
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