SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para o político alemão Heinz Bierbaum, a resolução do conflito entre Rússia e Ucrânia, que completou seis meses nesta semana, só se dará pela via do diálogo -e com mais protagonismo da União Europeia. "Hoje todos estão alimentando a guerra com armas, em especial os EUA. Deveríamos focar uma solução mais política", diz.
Bierbaum esteve no Brasil para encontros com o ex-presidente Lula (PT) e representantes de PSOL e MST. O alemão preside o Partido da Esquerda Europeia, coalizão de siglas do continente da qual faz parte A Esquerda, sua legenda na Alemanha e à qual está vinculada a Fundação Rosa Luxemburgo, da qual ele assumirá a direção. O grupo promove iniciativas de formação política de cooperação internacional.
A reunião com Lula aconteceu na terça (24) e contou com a presença de Gleisi Hoffman, presidente do PT, e Celso Amorim, ex-chanceler e um dos principais conselheiros do petista para a área externa.
Bierbaum diz que a conversa tratou sobretudo das eleições brasileiras, envoltas nos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema de votação. "Esperamos que o pleito seja limpo, apesar da apreensão", afirma. Mas ele e Lula discutiram também a Guerra da Ucrânia e o acordo entre União Europeia e Mercosul, paralisado há meses.
O petista não cita o conflito no Leste Europeu em seu plano de governo, mas já falou sobre ele à revista Time em maio, com críticas à postura do ucraniano Volodimir Zelenski. Nesta semana, em entrevista coletiva à imprensa internacional, afirmou que caso eleito pretende fazer do Brasil um moderador nas negociações de paz -ele e Amorim já vinham defendendo a tese ao exortar o papel do Brics.
Bierbaum também se diz a favor de uma solução baseada em diálogo e critica em especial a falta de protagonismo da União Europeia, que segundo ele se comporta como mera aliada dos EUA, não com a independência e autonomia que o momento clama. "A ONU e o papa já disseram que estariam dispostos a mediar o conflito, mas até hoje não houve mediação. A Europa deveria assumir esse papel."
Isso implica, na visão dele, mais independência também em relação à Otan, a aliança militar ocidental --a aproximação da Ucrânia com o grupo agravou as relações com a Rússia e teve papel central no início do conflito.
Bierbaum conta que a coalizão que ele lidera vem discutindo a criação de um novo sistema segurança coletiva. "Significaria uma autonomia estratégica para a Europa." O continente tem sido profundamente afetado pela guerra, com a alta de preços de combustíveis e alimentos e o fluxo de refugiados.
A situação alemã é particularmente delicada, uma vez que o país depende do gás da Rússia --40% das necessidades energéticas do país eram supridas por Moscou até o ano passado.
O país tem corrido contra o tempo para encontrar outras fontes. O premiê Olaf Scholz afirmou que os primeiros terminais de uma dessas alternativas, o gás natural liquefeito, podem iniciar suas operações já nos primeiros meses do ano que vem. Mas Bierbaum não compartilha desse otimismo. "Não vai ser agora, e não vai ser no ano que vem."
Afora a inflação, a questão ecológica é uma das preocupações mais prementes de seu partido hoje. "Não haverá justiça social sem justiça climática e vice-versa. Há pessoas famintas e é claro que essa é a primeira coisa com que precisamos lidar. Mas, ao mesmo tempo, precisamos convencer a população de que essas questões têm impacto nas condições de vida delas."
O tema embasa o argumento que o político invoca ao justificar a oposição à atual versão do acordo UE-Mercosul. O bloco europeu fala desde o ano passado em enviar uma proposta de carta complementar ao acordo com demandas para a área ambiental, uma reação à repercussão negativa da política ambiental de Bolsonaro.
Lula discorda do acordo, mas por outros motivos --em entrevistas, ele afirmou que uma cláusula impediria o Brasil de se reindustrializar. Diante do impasse, Bierbaum cita uma frase de Amorim no encontro. "Ele disse: 'A pressa é inimiga de um bom acordo'. Eu concordo."
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