SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Conflitos entre grupos rivais deixaram ao menos 23 pessoas mortas e cerca de 90 feridos neste sábado (27) em Trípoli, a capital da Líbia. Os confrontos mais letais em dois anos geram temor de uma escalada da violência armada no país.

Os números são preliminares, segundo o Ministério da Saúde líbio, que informou que entre os mortos havia pelo menos 17 civis.

O país atravessa um cenário de caos político. A crise se intensificou com impasses pelo poder que persistem há meses e colocou dois grupos em rota de colisão. O primeiro está sediado em Trípoli e é liderado pelo atual primeiro-ministro, Abdulhamid al-Dbeibah. O segundo é chefiado por Fathi Bashagha, ex-ministro do Interior e apoiado pelo Parlamento.

O Parlamento vem afirmando que o mandato de Dbeibah expirou e indicou Bashagha para assumir o cargo. O atual primeiro-ministro, por sua vez, alega que os congressistas não têm o direito de substituí-lo e que deixará o posto somente após uma eleição.

Testemunhas relataram que um comboio de mais de 300 veículos, com apoiadores de Bashagha, partiu da cidade de Zlitan, a cerca de 150 km a leste da capital. O grupo teria o objetivo de derrubar Dbeibah do poder.

Os confrontos eclodiram ainda na noite de sexta-feira (26), com tiroteios e explosões, e continuaram ao longo do sábado. Os combatentes portavam armas leves e metralhadoras, e morteiros foram instalados nas áreas centrais de Trípoli.

Confrontos também foram registrados em Janzur, cidade-satélite da capital apontada como possível ponto de acesso para algumas forças alinhadas com Bashagha. Vídeo divulgado nas redes sociais mostra ainda o que seriam apoiadores do ex-ministro avançando pelo distrito de Abu Salim, ao sul da capital.

O Ministério da Saúde informou que vários hospitais e centros de atendimento foram atingidos nos combates. Já a missão das Nações Unidas na Líbia pediu a suspensão imediata dos confrontos e expressou preocupação com bombardeios em distritos civis.

A Líbia vive instabilidade desde o levante apoiado pela Otan, a aliança militar ocidental, em 2011, que levou no mesmo ano à morte do ditador Muammar Gaddafi, na esteira da Primavera Árabe.

A ação deu início a disputas entre milícias rivais pelo poder. Os tumultos reduziram severamente a produção de petróleo, principal riqueza nacional, e criaram regiões de refúgio para extremistas, incluindo do grupo Estado Islâmico.

Anos depois, em 2019, governo e opositores aceitaram uma trégua humanitária proposta pelas Nações Unidas. Em 2020 um cessar-fogo foi formalizado, e Dbeibah se comprometeu a supervisionar as eleições nacionais que estavam marcadas para dezembro do ano passado, mas que foram canceladas a dois dias do pleito após impasses políticos.

Parlamentares afirmam, desde então que o governo de Dbeibah foi encerrado em 24 de dezembro, quando deveria ter ocorrido a disputa eleitoral.

Bashagha considera que o governo Dbeibah é ilegítimo e, desde que foi nomeado líder pelo Parlamento, em fevereiro, tentou, sem sucesso, entrar em Trípoli. Recentemente, ele ameaçou recorrer à força para conseguir isso.

De acordo com o Governo de Unidade Nacional, os combates começaram após o fracasso de uma série de negociações, que Bashagha teria abandonado no último momento. O ex-ministro negou que tais conversas tenham ocorrido e acusou a administração de Dbeibah de "agarrar-se ao poder".

Emadeddin Badi, analista do centro de estudos Atlantic Council, alertou que a violência pode aumentar rapidamente. "A guerra urbana tem sua própria lógica. É prejudicial tanto para a infraestrutura civil quanto para as pessoas. Então, mesmo que não seja longa, será muito destrutiva", disse à agência AFP.

Para o especialista, a luta pode fortalecer o líder rebelde Khalifa Haftar, homem forte do leste da Líbia e acusado por seus adversários de querer instaurar uma ditadura militar, além de pessoas próximas a ele. "Eles se beneficiarão das divisões no oeste da Líbia e terão uma melhor posição de negociação quando a poeira baixar."


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