SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A viagem de Mikhail Gorbatchov ao Brasil em 1992, ano seguinte ao do fim da União Soviética, teve uma série de encontros com autoridades e foi marcada por episódios inusitados.
Nos quatro dias que passou no país, o russo, morto nesta terça-feira (30) aos 91 anos, tocou bumbo com a bateria de uma escola de samba, foi chamado de "lixo da história" por manifestantes, plantou uma muda no Jardim Botânico no Rio de Janeiro -e protagonizou um climão com a imprensa paulista.
Ao escrever sobre a palestra que o ex-líder soviético deu a professores e alunos da Universidade Cândido Mendes, no Rio, um repórter do jornal O Estado de S. Paulo relatou que ele fizera "duras críticas" a Fidel Castro, chamando o cubano de "bajulador e traidor da humanidade". A afirmação foi parar em uma chamada de capa do jornal do dia seguinte: "Para Gorbatchov, presidente cubano trai a humanidade".
Em 9 de dezembro, Gorbatchov mal tinha posto os pés em São Paulo, segundo destino de sua viagem, quando se dirigiu a um repórter do Estadão que acompanhava sua chegada a Congonhas e exigiu que o veículo se retratasse. Ele ameaçou interromper a coluna que publicava mensalmente no jornal paulista e também ligou para o embaixador de Cuba em Brasília para pôr panos quentes na eventual crise diplomática.
Mais tarde naquele dia, em um encontro com diretores de alguns dos principais veículos de imprensa nacionais na sede do Estadão, Gorbatchov afirmou que sua fala foi distorcida e que houve um mal-entendido por parte do repórter que acompanhou a palestra no Rio.
Segundo o ex-presidente, ele falava sobre Cuba quando um grupo de militantes levantou cartazes que o acusavam de ser um "traidor da humanidade" e "capacho do imperialismo". Ele então leu as frases em voz alta para o público e voltou a falar sobre a ilha caribenha. "Aquilo se referia a mim, nada tinha relação com Fidel", contou, elogiando o cubano em seguida. "É um político erudito."
O Estadão se retratou na edição do dia seguinte: "Gorbatchov desmente crítica a Fidel Castro". No corpo do texto, o jornal atribuía a informação equivocada a um erro do repórter que acompanhara o evento no Rio.
O evento na sede do Estado teve a presença de Julio de Mesquita Neto, então diretor responsável da publicação, do publisher da Folha de S.Paulo, Octavio Frias de Oliveira, e de Herbert Levy (Gazeta Mercantil), Luiz Fernando Furquim (Grupo Abril), Domingo Alzugaray (Editora Três), Jayme Sirotsky (RBS), Roberto Muylaert (Fundação Padre Anchieta) e João Saad (rede Bandeirantes). Foi um entre os muitos encontros na agenda cheia de Gorbatchov.
Na capital paulista, ele se deparou com uma oposição semelhante àquela demonstrada pelos ativistas cariocas. O PC do B e o MR-8 -grupo por trás do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969- compareceram a um evento do qual ele participou no Memorial da América Latina exibindo cartazes que também acusavam o russo de traição.
Gorbatchov, que tinha tentado dialogar com os manifestantes no Rio, repetiu que em uma democracia todos tinham liberdade para manifestar suas opiniões -frase que lhe rendeu aplausos. Em sua passagem pelo país, também elogiou a atuação da imprensa no processo de impeachment de Fernando Collor de Mello.
As anedotas mais curiosas da viagem de Gorbatchov ao Brasil, contudo, são de sua passagem pelo Rio de Janeiro.
Segundo reportagens da Folha à época, ele ganhou um berimbau e tocou bumbo com a bateria da Unidos da Viradouro, beijando a bandeira da escola de samba. Visitou a favela da Rocinha, onde conversou com a população com a ajuda de uma intérprete e foi reconhecido por passantes devido ao sinal que trazia na cabeça. Além disso, plantou uma muda de peroba-rosa no Jardim Botânico, onde foi orientado pela mulher, Raíssa Gorbatchova.
Raíssa também protagonizou momentos marcantes. Ao fazer compras em Copacabana, foi julgada por passantes, que diziam não entender por que a ex-primeira-dama da União Soviética tinha optado por fazer compras em duas sapatarias populares em vez de gastar seus rublos convertidos em cruzeiros no chique shopping RioSul.
No fim da tarde, em um supermercado no largo do Machado onde comprava pacotes de café para dar de lembrança aos amigos, foi confundida com uma fiscal da Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento) por um grupo de idosas. "Isso aí, olha mesmo que os preços aqui sobem quase todo dia", disse uma delas.
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