SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O manifesto em favor da democracia assinado por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) foi lido na manhã desta quinta-feira (11) na Faculdade de Direito da USP em ato contra o discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro (PL).

A faculdade do largo de São Francisco, na região central de São Paulo, também capitaneou uma carta em defesa das instituições e do sistema eleitoral, articulada por acadêmicos e intelectuais e já assinada virtualmente por mais de 927 mil pessoas. A leitura desse documento ocorrerá na sequência.

Apelidado de "carta dos empresários", o manifesto "Em Defesa da Democracia e da Justiça" conseguiu unir parceiros improváveis, como a Fiesp, centrais sindicais (como CUT, Força Sindical e UGT), a Febraban, a Academia Brasileira de Ciências e a UNE (União Nacional dos Estudantes).

A leitura do texto, diante de mais de 800 pessoas no salão nobre da faculdade de direito e com transmissão ao vivo pela TV e pela internet, foi intercalada por aplausos. A união de forças de diferentes segmentos políticos e ideológicos em torno da questão democrática foi exaltada nas falas.

Escolhido para ler ao microfone o manifesto "Em Defesa da Democracia e da Justiça", o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns, disse antes da leitura que, com a mobilização, "capital e trabalho se unem em defesa da democracia".

À leitura da carta, diante do público de pé no salão lotado, seguiu-se uma longa salva de palmas. Gritos de "viva a democracia" foram ouvidos. Parte dos espectadores gravou o momento histórico com o celular.

O evento desta quinta, que reúne organizadores e convidados no prédio da faculdade, junta duas iniciativas da sociedade civil em resposta à escalada autoritária de Bolsonaro, com questionamentos infundados sobre as urnas eletrônicas e ameaças de desrespeito ao resultado da eleição de outubro.

O reitor da USP (Universidade de São Paulo), Carlos Gilberto Carlotti Junior, no primeiro discurso do dia, defendeu eleições livres e disse que a universidade é oposto do autoritarismo. Disse ainda que a sociedade deveria estar pensando no futuro, mas se vê obrigada hoje a impedir retrocessos.

"Após 200 anos de Independência do Brasil, deveríamos estar pensando em nosso futuro, em como resolver problemas graves. Mas estamos voltados a impedir retrocessos", afirmou.

Mais de 200 jornalistas do Brasil e do exterior se credenciaram para acompanhar o evento na USP. Organizações estudantis, entidades de classe e movimentos sociais realizaram marchas até o local. Universidades em todos os 26 estados brasileiros também promoveram atos.

Durante a leitura da primeira carta, estavam sentados em uma mesma fileira do salão nobre o ex-presidente da Fiesp Horácio Lafer Piva e dirigentes de centrais sindicais, como a UGT (União Geral dos Trabalhadores), além de religiosos franciscanos e representantes de religiões de matriz africana.

Os principais apelos das entidades são por: respeito à soberania do voto, obediência à Constituição, apreço ao Judiciário e preservação da estabilidade democrática e do Estado de Direito. O material também reforça a confiança na integridade do sistema eleitoral e na busca pacífica por desenvolvimento.

O texto, divulgado em 5 de agosto, foi subscrito por mais de cem entidades de diferentes setores. A iniciativa é uma reação às intimidações de Bolsonaro sobre o sistema eleitoral e as instituições, que se intensificaram desde o 7 de Setembro de 2021 e devem se repetir na mesma data neste ano.

O presidente convoca apoiadores para irem às ruas em sua defesa --travestida como manifestação por liberdade e transparência na apuração eleitoral-- no próximo dia 7, data que marcará o Bicentenário da Independência. A retórica agressiva e as menções às Forças Armadas fizeram acender o alerta.

A tensão se ampliou com a reunião com embaixadores convocada por Bolsonaro no dia 18 de julho, no Palácio da Alvorada, em que ele repetiu mentiras sobre as urnas eletrônicas, atacou instituições e disseminou teorias da conspiração diante de representantes da comunidade internacional.

A mobilização foi a mais emblemática de setores do PIB contra os arroubos antidemocráticos do mandatário, que se intensificaram ao longo do mandato, iniciado em 2019. Apesar das adesões de peso, segmentos econômicos alinhados ao bolsonarismo evitaram endossar as manifestações.

Segundo o manifesto, a estabilidade democrática no país, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para que o Brasil supere seus principais desafios. "Esse é o sentido maior do Sete de Setembro neste ano", diz um trecho.

O documento fala ainda em respeito aos Poderes, defesa da alternância de poder e reafirma o "compromisso inarredável com a soberania do povo brasileiro expressa pelo voto e exercida em conformidade com a Constituição". Não há menção direta a Bolsonaro.

O presidente, no entanto, passou a dizer que a intenção dos movimentos é atingi-lo e a chamar os textos de "cartinhas". Afirmou que o documento endossado pela Fiesp era "claramente" contra ele e questionou se em três anos e meio de seu mandato houve algum ato contrário à democracia.

Nos últimos dias, Bolsonaro argumentou que nunca proferiu palavras ou tomou atitudes "tentando ferir a nossa Constituição" e buscou relacionar as iniciativas como apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que concorre à Presidência e lidera as pesquisas de intenção de voto.

Embora parte dos signatários das cartas declare abertamente voto em Lula, o discurso dos organizadores é o de que os documentos são suprapartidários. Na redação dos manifestos, foram tomadas precauções para limitar o conteúdo à questão democrática e evitar viés eleitoral pró-Lula ou anti-Bolsonaro.

A coalizão em torno do Estado democrático de Direito, do respeito ao sistema eleitoral e da aceitação do resultado que sair das urnas eletrônicas evidenciou o isolamento de Bolsonaro às vésperas do pleito e o repúdio de amplos setores da elite econômica, cultural e social às ameaças de ruptura.

Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, de julho, o petista tem 47% das intenções de voto, enquanto o rival registra 29%.

 Leia, a seguir, a íntegra da carta assinada pelas entidades:

"Em Defesa da Democracia e da Justiça"

No ano do bicentenário da Independência, reiteramos nosso compromisso inarredável com a soberania do povo brasileiro expressa pelo voto e exercida em conformidade com a Constituição.

Quando do transcurso do centenário, os modernistas lançaram, com a Semana de 22, um movimento cultural que, apontando caminhos para uma arte com características brasileiras, ajudou a moldar uma identidade genuinamente nacional.

Hoje, mais uma vez, somos instigados a identificar caminhos que consolidem nossa jornada em direção à vontade de nossa gente, que é a independência suprema que uma nação pode alcançar. A estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios. Esse é o sentido maior do Sete de Setembro neste ano.

Nossa democracia tem dado provas seguidas de robustez. Em menos de quatro décadas, enfrentou crises profundas, tanto econômicas, com períodos de recessão e hiperinflação, quanto políticas, superando essas mazelas pela força de nossas instituições.

Elas foram sólidas o suficiente para garantir a execução de governos de diferentes espectros políticos. Sem se abalarem com as litanias dos que ultrapassam os limites razoáveis das críticas construtivas, são as nossas instituições que continuam garantindo o avanço civilizatório da sociedade brasileira.

É importante que os Poderes da República -Executivo, Legislativo e Judiciário- promovam, de forma independente e harmônica, as mudanças essenciais para o desenvolvimento do Brasil.

As entidades da sociedade civil e os cidadãos que subscrevem este ato destacam o papel do Judiciário brasileiro, em especial do Supremo Tribunal Federal, guardião último da Constituição, e do Tribunal Superior Eleitoral, que tem conduzido com plena segurança, eficiência e integridade nossas eleições respeitadas internacionalmente, e a todos os magistrados, reconhecendo o seu inestimável papel, ao longo de nossa história, como poder pacificador de desacordos e instância de proteção dos direitos fundamentais.

A todos que exercem a nobre função jurisdicional no país, prestamos nossas homenagens neste momento em que o destino nos cobra equilíbrio, tolerância, civilidade e visão de futuro.

Queremos um país próspero, justo e solidário, guiado pelos princípios republicanos expressos na Constituição, à qual todos nos curvarmos, confiantes na vontade superior da democracia. Ela se fortalece com união, reformando o que exige reparos, não destruindo; somando as esperanças por um Brasil altivo e pacífico, não subtraindo-as com slogans e divisionismos que ameaçam a paz e o desenvolvimento almejados.

Todos os que subscrevem este ato reiteram seu compromisso inabalável com as instituições e as regras basilares do Estado Democrático de Direito, constitutivas da própria soberania do povo brasileiro que, na data simbólica da fundação dos cursos jurídicos no Brasil, estamos a celebrar.

Brasil, 11 de agosto de 2022"


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