SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sob pressão pela ofensiva surpresa de Kiev no nordeste da Ucrânia, a Rússia chegou na semana passada ao milésimo tanque de guerra destruído desde que invadiu o vizinho, em 24 de fevereiro. Isso equivale a quase um terço da frota ativa do armamento a serviço do Exército de Vladimir Putin.

A conta precisa, de 1.023 unidades destruídas, danificadas, abandonadas ou capturadas até a quinta (8), é bastante conservadora. Analistas militares russos ouvidos pela Folha estimam que os números podem ser mais próximos dos 2.100 tanques que Kiev afirma ter inutilizado ou tomado para si.

Mas é uma medida baseada em dados públicos recolhidos pelo site especializado em análise de inteligência aberta holandês Oryx. Nele, todos os equipamentos russos e ucranianos que foram fotografados ou filmados são catalogados, após uma equipe checar a veracidade do registro por meio de elementos como geolocalização.

É um trabalho hercúleo, que mostra um inventário de 5.549 itens militares russos perdidos, 3.614 deles destruídos de forma definitiva. Foram capturados para uso, segundo o Oryx, 1.500 armamentos diversos. Só do modelo de tanque mais usado na guerra por Moscou, versões do T-72, foram 555 baixas. Em comparação, o Brasil opera 296 tanques, de modelos antigos.

O Ministério da Defesa da Rússia não divulga dados de baixas. Mesmo o item mais precioso do conflito, vidas humanas, foi objeto de um informe parcial no distante abril. Estimativas ocidentais colocam as mortes de soldados russos entre 15 mil e 20 mil. Já Kiev admite 11 mil mortos em suas fileiras.

A grande taxa de perda de tanques é compensada pelas reservas com modelos mais antigos, muitas vezes sem miras ópticas modernas, designadores de alvo a laser ou proteção reativa de blindagem. Segundo o IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, na sigla inglesa), referência no assunto, a frota ativa russa antes da guerra era de 3.387 tanques modernos ou modernizados.

Mas há nos estoques nada menos que 10,2 mil unidades à mão, e já há alguns meses T-64 estocados são vistos aqui e ali ?o que impede dizer que Moscou já perdeu um terço de seus tanques ativos. Isso explica a manutenção da guerra por atrito, destrutiva para ambos os lados, por parte de Putin.

É uma confiança que remonta à mentalidade soviética de ganhar por superioridade numérica, que deu certo contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial, mas que não havia sido posta à prova no ambiente do século 21 nessa escala.

Mesmo usando a conta conservadora do Oryx, as perdas são significativas. Elas se concentram na fase inicial da guerra, quando Putin atacou diretamente Kiev e outras grandes cidades com colunas blindadas desprotegidas, alvo fácil para a infantaria móvel ucraniana, armada com mísseis antitanque americanos Javelin.

Resultado, 700 dos 1.000 tanques perdidos por Moscou o foram até maio, quando a natureza do conflito mudou e Moscou passou a focar suas ações de forma mais coordenada no leste da Ucrânia. Tal atrito fez ressurgir a tese de uma suposta obsolescência deste tipo de armamento em um campo de batalha coalhado de drones que guiam artilharia.

O analista militar americano Rob Lee escreveu um estudo detalhado para o site War On The Rocks mostrando que tal visão é errada: o problema dos russos foi pobreza tática e erros logísticos por soberba. Tanto é assim que, reorganizados, pararam de perder tantos tanques.

Um exemplo de que Putin subestimou a resistência de Kiev está no fato de que a grande maioria dos 194 tanques do modelo T-80 perdidos foi abandonada pelas tripulações. Motivo: o veículo tem um motor com turbina, ideal para uso em baixas temperaturas mas que consome muito mais combustível do que um modelo equipado de forma convencional.

Assim, os rápidos T-80 avançaram rapidamente e ficaram sem ter como encher o tanque, que bebe até 750 litros de uma mistura especial a cada 100 km rodados.

No campo de outros blindados, focando carros de combate leves, apoio à infantaria e transporte de tropas, o levantamento aponta uma perda significativa, de 10% dos modelos disponíveis para os russos. Só que os números acabam compensando para o Kremlin: havia antes da guerra, segundo o IISS, nada menos que 17.348 unidades disponíveis.

Não entram nas contas mísseis e munições. Nos últimos meses, houve uma visível redução no emprego de armas de precisão por parte dos russos, um sinal de que Moscou está poupando seus estoques, que serão de difícil reposição enquanto não houver alternativa para os chips ocidentais usados nos mísseis de cruzeiro.

Os dados do Oryx mostram uma perda de 53 aeronaves, quase 4% da frota total. Não é pouco, mas no detalhe os dados são ainda mais preocupantes para a Força Aérea de Putin pelo desempenho de seus aviões mais sofisticados.

Já foi perdida quase 10% da frota do seu badalado avião de ataque Su-34. Já o caça multimissão Su-30 viu 10 das 110 unidades à disposição do Kremlin serem abatidas. Se sai bem melhor o seu irmão mais avançado, o Su-35S, com 1 de 97 unidades derrubadas.

No campo naval, em que Moscou tem ampla margem sobre Kiev, as perdas de lado a lado são equivalentes, de 20 navios ou barcos para cada um. A frota ucraniana foi efetivamente neutralizada, mas a Rússia ficou com a pior imagem ao ver o cruzador pesado Moskva, nau-capitânia da Frota do Mar Negro, afundado em abril.

Do lado ucraniano, os números são bastante menores no levantamento do Oryx por dois motivos. Primeiro, as forças de Kiev são bastante inferiores nominalmente do que as de Moscou.

Segundo, há uma subnotificação óbvia, porque há grande restrição na divulgação de imagens e informações sobre perdas e mesmo ações ucranianas ?já mostrar tanques e aviões russos destruídos, que estão disponíveis para registro em seu território, constitui propaganda natural.

Segundo o Oryx, a Ucrânia viu perdidos 1.561 itens militares, 879 destruídos. Em relação aos estoques pré-guerra aferidos pelo IISS, antes de os Estados Unidos e aliados inundarem o país com armas ocidentais, Kiev perdeu 25% de seus tanques e 33% de suas aeronaves.

Como dito, são números a serem lidos apenas como referência, também por não contarem com os reforços externos: só a Polônia enviou 230 carros de combate T-72 antigos para o vizinho, 12 dos quais o Oryx já viu destruídos.

Na guerra de propaganda, a Defesa russa usa números grandiosos para descrever as perdas do rival: 293 aeronaves, 4.870 tanques e blindados, 827 lançadores de foguetes. Novamente, a realidade deve estar em algum lugar entre isso e o que Oryx descreve.


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