WASHINGTON, EUA, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Jair Bolsonaro (PL) viaja a Nova York para abrir a 77ª Assembleia-Geral da ONU na terça (20). O cronograma apertado, a duas semanas da eleição, e o fato de ele estar em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto exigiram, porém, que a equipe do presidente pesasse com mais atenção o risco político dos roteiros.
Com cara de evento de campanha, a viagem aos Estados Unidos terá caravanas de apoiadores de cidades americanas para recepcionar o presidente nesta segunda-feira (19) e para um almoço ainda na terça, depois do discurso na ONU.
Em meio a uma disputa eleitoral longe de estar resolvida, viajar para fora do país, principalmente para dois destinos internacionais em sequência --o presidente também foi a Londres acompanhar o funeral da rainha Elizabeth 2ª-- não foi um cálculo simples.
A avaliação do governo foi que a viagem era obrigatória e que o custo político de faltar seria maior que o de comparecer, reforçando a imagem de isolamento do presidente no xadrez político mundial.
Não que a presença seja garantia de integração no tecido global. Bolsonaro, afinal, não tem reuniões bilaterais marcadas com nenhum chefe de Estado de país expressivo para a economia brasileira.
Mas a viagem aos EUA foi decidida a partir de um raciocínio diferente da que o levou a Londres, segundo aliados do presidente, que queriam acima de tudo uma foto de Bolsonaro ao lado do novo rei Charles 3º. Na avaliação da campanha, estar no Reino Unido é um aceno maior ao eleitor comum, em um tema pop como a realeza britânica e que tem ampla cobertura midiática. Já a viagem a Nova York se dirige mais aos formadores de opinião e lideranças internacionais, além de garantir certo destaque no noticiário.
Pensando nisso, o discurso de Bolsonaro na Assembleia-Geral deve ser permeado de acenos à comunidade internacional sem deixar de lado sua base eleitoral no Brasil.
O presidente deve falar da crise de alimentos catapultada pela Guerra da Ucrânia e repetir que o Brasil é um "celeiro do mundo", com capacidade de garantir a segurança alimentar global --sem mencionar, é claro, a crise no próprio país, onde a fome se agravou desde a pandemia e 33 milhões não têm o que comer, segundo estudo recente.
Ainda em relação à guerra, Bolsonaro deve usar a crise de escassez de gás natural na Europa, que levou a um aumento da queima de carvão, para criticar países que condenaram suas políticas ambientais --ou a ausência delas. Ele deve reafirmar que o Brasil tem uma matriz energética limpa, além de aproveitar o gancho para promover uma proposta de sua campanha eleitoral sobre o fomento à energia eólica no Nordeste.
Criticado por potências ocidentais por não se posicionar contra a Rússia, Bolsonaro deve falar ainda do acolhimento de refugiados ucranianos.
O que deve ocupar boa parte do discurso também é a economia, que serve tanto para atrair investidores quanto eleitores. Há expectativa de que ele defenda que o Brasil se recuperou melhor que outros países e destaque o crescimento do PIB acima do esperado. e projeções otimistas do mercado.
Por mais que a diplomacia brasileira tente preparar um Bolsonaro mais centrado, no entanto, o texto final lido pelo presidente é fechado no Palácio do Planalto, e existe o receio de que ele use o púlpito da ONU também para criticar outros países com governos de esquerda. O presidente insistiu em eventos recentes em criticar não só a ditadura da Nicarágua, mas também os vizinhos democráticos Chile e Argentina, em acenos a sua base mais radicalizada.
Se for bem aceito, o discurso deve ser usado na campanha, principalmente em vídeos curtos para redes sociais.
Discursando pela quarta vez na ONU, o Bolsonaro que chega ao evento em 2022 é diferente do de anos anteriores. Em 2019, quando havia grande expectativa sobre sua estreia, o presidente fez um discurso agressivo e inusual entre líderes brasileiros. Em 2020, gravou pronunciamento exibido de forma remota na Assembleia devido à pandemia e se defendeu das críticas pelo descontrole da Covid no país.
Em 2021, a viagem foi marcada pela recusa do presidente em se imunizar contra a Covid e pela dúvida quanto às regras que proibiam pessoas não vacinadas de participarem de eventos em locais fechados.
Aquele também foi o primeiro ano de Joe Biden na Presidência dos EUA, e havia certa tensão entre os dois, já que o brasileiro apoiou abertamente a reeleição de Donald Trump e repetiu suspeitas infundadas de fraude no pleito americano. Na ocasião, os dois líderes não se encontraram.
Em 2022, Bolsonaro viaja com uma relação mais apaziguada com Biden. Eles se reuniram pela primeira vez em junho, durante a Cúpula das Américas, ainda que Washington tenha dado recados de que não deve embarcar em uma aventura golpista caso o brasileiro não respeite o resultado das eleições de outubro.
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