NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, fez um apelo pelo uso da diplomacia para resolver as crises que ameaçam o mundo hoje em seu discurso de abertura na Assembleia-Geral da entidade nesta terça (20).
O chamamento é feito justamente em um momento em que a entidade é criticada por sua ineficiência na resolução de conflitos globais -sendo a Guerra da Ucrânia talvez o maior exemplo disso.
A guerra, aliás, foi um dos temas centrais do pronunciamento. Guterres iniciou sua fala exibindo a imagem de um dos navios que transportou grãos para fora da Ucrânia durante a guerra, medida possível graças a um acordo mediado pela ONU com ajuda turca. O navio seria um símbolo da capacidade da diplomacia multilateral em ação, segundo ele travada por causa de uma sucessão de crises.
"A Carta das Nações Unidas e os ideais que ela representa estão em perigo. Temos o dever de agir. E no entanto, estamos imobilizados", disse o português, listando as mudanças climáticas, a multiplicação de guerras pelo planeta e a situação financeira dos países em desenvolvimentos como alguns dos desafios urgentes que a comunidade internacional não tem conseguido endereçar.
O secretário-geral se deteve com especial atenção na questão climática, fazendo a sua primeira crítica direta à indústria de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás. "O mundo está viciado em combustíveis fósseis. É hora de uma intervenção", disse ele.
"Precisamos responsabilizar as empresas de combustíveis fósseis e seus facilitadores", apontou Guterres. Ainda em seu discurso, ele pede que as economias desenvolvidas que tributem os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis.
"Esses fundos devem ser redirecionados de duas maneiras: para países que sofrem perdas e danos causados pela crise climática; e para as pessoas que lutam com o aumento dos preços dos alimentos e da energia", sugere.
A Folha de S.Paulo apurou que a solução defendida pelo secretário-geral da ONU não trata de uma compensação financeira por perdas e danos, mas se refere ao caminho apontado pelo Acordo de Paris de combate à mudança climática, assinado em 2015.
O artigo 8 do acordo traz uma lista do que fazer para lidar com as perdas e danos
climáticos, como a criação de sistemas de alerta precoce sobre eventos extremos, avaliações de risco e preparo para comunidades mais resilientes.
"Devemos garantir que todas as pessoas, comunidades e nações tenham acesso a sistemas eficazes de alerta precoce nos próximos cinco anos", propôs Guterres. Atualmente, segundo a ONU, os alertas são acessíveis para 60% da população no mundo.
A proposta, que já vinha sendo defendida nos discursos de Guterres, poderia ser financiada pelo redirecionamento de recursos vindos da indústria fóssil, segundo sua fala nesta terça, que traz um aspecto prático e politicamente delicado, especialmente quando a guerra na Ucrânia, com a consequente interrupção do fornecimento de gás russo, leva a União Europeia a investir em fontes de energia fóssil vindas de outros países.
"Os países do G20 emitem 80% de todas as emissões de gases de efeito-estufa. Mas os mais pobres e vulneráveis -aqueles que menos contribuíram para esta crise- estão sofrendo seus impactos mais brutais", afirmou Guterres.
A despeito do contexto mais desafiador para o multilateralismo --com a emergência de crises sanitária, energética e no preço dos alimentos só nos últimos dois anos-- alguns sinais de transição energética são destaque de um relatório lançado também nesta terça (20) pela IEA (sigla em inglês para Agência Internacional de Energia) junto à Irena (Agência Internacional de Energia Renovável).
Entre eles, está a duplicação das vendas globais de veículos elétricos em 2021 em relação ao ano anterior, para um novo recorde de 6,6 milhões; e o aumento previsto na capacidade de geração de energia elétrica renovável global de 8% em 2022, para a marca de 300 GW, capaz de abastecer aproximadamente 225 milhões de residências.
Com o novo marco, o custo da geração de eletricidade deve cair pelo menos US$ 55 bilhões em 2022, diz o estudo, que reúne 25 recomendações sobre como a cooperação internacional pode acelerar a transição energética.
O documento foi encomendado por 45 países -responsáveis conjuntamente por 60% das emissões globais de gases-estufa. Na COP26, conferência do clima da ONU que aconteceu no último novembro, o grupo se comprometeu a tornar as energias limpas mais acessíveis em todos os setores da economia até 2030.
Além de estratégias de aumento de investimentos, incentivos e cooperação técnica, o relatório traz uma proposta que altera a distribuição de energia entre os países, com a criação de "novas super-redes transfronteiriças para aumentar o comércio de energia de baixo carbono, melhorar a segurança energética e aumentar a flexibilidade do sistema".
O relatório será discutido na tarde desta terça pelo presidente da COP26, Alok Sharma, junto a ministros do grupo de 45 países em Nova York, onde também acontece a Semana do Clima, reunindo ONGs, movimentos sociais e empresas de todo o mundo em múltiplos eventos paralelos, que buscam aumentar o diálogo e a cooperação em torno da agenda climática.
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