SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com flores, orações e uma salva de 19 tiros, o Japão homenageou o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe nesta terça-feira (27), no primeiro funeral de Estado para um ex-premiê em 55 anos, em uma cerimônia marcada por protestos mas também por longas filas de quem queria se despedir.

As cinzas de Abe, transportadas por sua esposa Akie em um cortejo fúnebre a partir de sua residência na capital japonesa, chegaram ao estádio Budokan, no centro de Tóquio, ao som dos tiros e de uma banda militar.

Nos arredores do estádio, milhares de pessoas prestavam as últimas homenagens. Em poucas horas, cerca de 10 mil deixaram flores para Abe, segundo mostrou a televisão, depois de enfrentarem uma fila de até três horas.

Abe, premiê que por mais tempo permaneceu no cargo na história do Japão, foi assassinado no início de julho durante um ato de campanha na cidade de Nara. Ele levou tiros no lado direito do pescoço e no lado esquerdo do peito, segundo a Agência Japonesa de Gerenciamento de Desastres.

Em sua elegia no funeral, o atual primeiro-ministro Fumio Kishida descreveu o ex-líder como "uma pessoa de coragem" e citou suas conquistas políticas, incluindo os esforços para fortalecer os laços diplomáticos do Japão.

"Sinto uma dor dilacerante", afirmou Kishida diante de uma enorme fotografia de Abe pendurada sobre uma grande estrutura de flores. Perto dali, uma parede de fotos mostrava Abe passeando com líderes do G7, de mãos dadas com crianças e visitando áreas de desastre.

Houve um momento de silêncio, seguido por uma retrospectiva da vida política de Abe e discursos das principais figuras do Partido Liberal Democrático (LDP), sigla que o ex-premiê liderou e também a do atual primeiro-ministro.

Yoshihide Suga, sucessor de Abe no cargo, afirmou com a voz trêmula que o ex-líder dizia pretender "tornar o Japão melhor, que queria que os jovens tivessem esperança e orgulho." Ele observou que muitas pessoas em seus 20 e 30 anos apareceram para oferecer flores.

Vestida com um quimono preto, a viúva de Abe enxugava as lágrimas enquanto Suga falava. A cerimônia terminou com Kishida e Akie levando as cinzas para fora do salão.

Cerca de 4.300 pessoas compareceram ao funeral, junto com pelo menos 48 oficiais de Estado, incluindo a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

O assassinato de Abe deixou o país em choque, dado que o Japão tem baixíssimos níveis de crimes violentos. Mas a decisão de organizar um funeral de Estado, o segundo para um ex-primeiro-ministro no pós-guerra, teve forte oposição, com cerca de 60% dos cidadãos se dizendo contrários ao evento, segundo pesquisas recentes, e políticos da oposição boicotando a cerimônia.

Um catalisador do descontentamento foi o custo do funeral, US$ 11,5 milhões (R$ 61,5 milhões), a ser arcado pelo Estado em um momento de dificuldades econômicas para os cidadãos. Outro foi a acusação de que Kishida aprovou a cerimônia unilateralmente, sem consultar o Parlamento.

O atual primeiro-ministro justificou a cerimônia como uma forma de homenagear as conquistas de Abe, que já havia tido um funeral privado dias depois de ser morto.

Em uma região no centro de Tóquio, manifestantes protestaram com cartazes e gritaram "nenhum funeral de Estado" ao som de uma guitarra.

A morte de Abe também desencadeou uma enxurrada de revelações sobre os laços entre os parlamentares do LDP, sigla que Abe liderou, e a Igreja da Unificação, chamada de seita por críticos. O escrutínio se baseou nos métodos de arrecadação de fundos deste grupo religioso, implicando o atual primeiro-ministro, que admitiu que metade dos parlamentares do partido governista têm ligação com a igreja.

Kishida se desculpou e prometeu que o LDP romperá relações com a igreja, mas o escândalo agravou o incômodo do público com o funeral de Estado.

De visão conservadora, Abe foi uma das figuras mais famosas do país, lembrado por cultivar alianças internacionais e por sua estratégia econômica batizada de Abenomics. Ele governou por 3.188 dias em dois mandatos não consecutivos. Renunciou em 2020 por um problema de saúde, mas continuou como importante figura pública.


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